A Europa caminha para que aquelas imagens que chegam de Inglaterra ou dos aeroportos espanhóis sejam o nosso triste dia de amanhã
Cheguei a casa, depois de um dia de trabalho, liguei a televisão e, subitamente, ouvi a notícia do dia: o Governo propunha criar um fundo para as empresas poderem despedir trabalhadores. Não acreditei. Achei que ouvi mal. Mantive-me em frente da televisão para ver a repetição de tão absurda ideia. Era mesmo verdade. Tratava-se de uma cópia de uma proposta vinda do governo espanhol.
Em crise, com as empresas a atravessar na sua maioria um momento muito difícil e com dificuldades reais em aguentar os postos de trabalho face à diminuição da sua actividade e à constante subida de impostos, a medida anunciada é a pior de todas e não lembra a ninguém. Ou melhor, só lembra a quem já não tem baias políticas e princípios éticos para governar o país em momentos muito difíceis como este.
Criar um fundo para despedir mais e melhor pessoas é uma imoralidade. Os trabalhadores não são recursos humanos ou números, ou postos de trabalho, mas são pessoas com vidas duras que dependem do seu salário para viver. Criar um fundo significa alocar verbas dos nossos impostos que não servirão para apoiar as vítimas, as pessoas despedidas, as famílias que vivem o drama do desemprego, ou os jovens que procuram trabalho, mas as empresas para poderem despedir colectivamente pessoas. Um fundo para despedimentos que vem no seguimento de cortes em direitos sociais que existiam para apoiar quem precisa na velhice, na infância, na doença, ou no desemprego. Por exemplo, cortou-se no abono de família de crianças filhas de jovens casais, independentemente do número de filhos, com o argumento de que não há possibilidade de os manter porque não temos os meios para aguentar esses fundos e anuncia-se agora outro fundo para despedimentos colectivos?
Tento perceber melhor o que dizem os membros do Governo de tão absurda ideia e ouço explicar que o fundo para despedir vai servir para criar postos de trabalho. Criar postos de trabalho através de um fundo público para despedir pessoas? Estranha coisa, raciocínio ousado e, sobretudo, estranha forma de criar emprego.
O país precisa de alterar a legislação de trabalho e de a simplificar. A legislação laboral que temos não é compatível com as necessidades das empresas e em muitos casos premeia a preguiça, o desleixo em vez de premiar a competência, o esforço e a qualidade. Tudo começa no exemplo que vem da Administração Pública que chega a ter horários de 12 horas semanais de trabalho e que herdou da União Soviética a igualdade salarial para quem trabalha muito se esforça e se dedica, e para quem se passeia entre o cafezinho e as "baixas". A legislação laboral criou uma teia de direitos que retirou em muitos casos a noção de dever de quem trabalha e criou absurdos, da mais cruel injustiça para quem ousa investir e arriscar em Portugal e, direi mesmo, trabalhar em Portugal.
Neste mesmo dia, chegam pelos mesmos noticiários imagens das manifestações estudantis em Inglaterra. A mais velha democracia europeia viveu momentos dramáticos de violência nas ruas de Londres. Violência como não se via há muitos anos na Europa democrática. Não foi só o ataque ao carro e ao Príncipe de Gales que as nossas televisões não se cansaram de mostrar. Foi o ataque ao Parlamento, a casa que no Mundo inteiro simboliza a democracia, que foi o seu berço e onde cresceu ao longo de séculos. É evidente que a crise social que estamos a viver provoca, traz na sua gene, violência, como estamos a ver. Nas pedras dos estudantes ingleses contra o Parlamento, ou na greve com "baixa" falsa dos controladores espanhóis.
Desta violência não estão isentas nem as velhas democracias nem as novas democracias, com governos de direita, ou com governos de esquerda. É assim. A Europa caminha para que aquelas imagens que chegam de Inglaterra ou dos aeroportos espanhóis sejam o nosso triste dia de amanhã.
ZITA SEABRA
(Fonte: JN online)
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