«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.» Act 2, 42-47
«Eram assíduos…à fracção do pão»
Ao reflectirmos sobre esta verdade, logo outra passagem bíblica nos vem ao coração, ao pensamento:
«E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença.»*
Na «fracção do pão» reconheciam Jesus Cristo entre eles, com eles, neles, alimentando-os, fortalecendo-os, lutando com eles pela proclamação, pelo reconhecimento do Reino de Deus, já, aqui e agora, esperando a plenitude do que há-de vir.
«Reconheciam-nO na fracção do pão.»
E nós, ainda ou também O reconhecemos na «fracção do pão», na Eucaristia, que todos os dias é celebrada, é vivida nas igrejas, e não só, em todo o mundo?
Que “reconhecimento” de Jesus Cristo fazemos nós na Eucaristia?
Que é simbólico? Que a Hóstia consagrada representa Cristo? Que é uma imitação, uma memória do que Jesus Cristo fez? Que é uma representação? Que Jesus Cristo está ali presente em espírito?
Ou acreditamos verdadeiramente que Jesus Cristo está ali presente, tão presente como quando estava no meio dos Apóstolos após a Ressurreição?
Ou acreditamos que é Ele que se dá verdadeiramente como alimento, num Mistério tão incompreensível para nós, mas no entanto tão palpável, tão real, tão “experimentável” nas nossas vidas?
E assim sendo, se assim acreditamos, somos nós «assíduos à fracção do pão»?
Vivemos num mundo em que, graças a Deus, somos livres de praticar e viver a nossa Fé, e em que, apesar de algumas dificuldades, temos a celebração da Eucaristia diária em quase todos os lugares, (mais perto ou um pouco mais longe), onde vivemos.
Fazemos nós tudo o que nos é possível para participarmos celebrando a Eucaristia diária, vivendo-A todos os momentos das/nas nossas vidas?
É que naquele tempo, aqueles primeiros cristãos tinham com certeza de se deslocar às casas onde era celebrada «a fracção do pão», muitas vezes com risco da sua própria vida, tendo em conta as perseguições de que eram alvo.
Porque era e é ali, na Eucaristia, que nos encontramos preferencialmente com Jesus Cristo Nosso Senhor e Salvador, que dando-se como alimento divino nos afirma a Sua presença em nós e connosco, que dando-nos a certeza de que se fez igual a nós em tudo, excepto no pecado, nos reafirma a nossa filiação divina, e assim nos faz irmãos uns dos outros, filhos do Nosso Pai que está nos Céus.
Porque era e é ali na Eucaristia, que Ele nos dá forças, alento e coragem, para vivermos o Caminho, para proclamarmos a Verdade, para testemunharmos a Vida, que Ele nos dá no/do Seu Amor.
«Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.»*
Aqueles discípulos de Emaús tinham fugido de Jerusalém, tinham medo, já não acreditavam, para eles tinha sido uma aventura que tinha acabado, no entanto, e depois de terem ouvido a Palavra, de caminharem como irmãos com Jesus Cristo, (invisível aos seus olhos), reconheceram-No na «fracção do pão», e, perante esse reconhecimento, essa certeza da Verdade, voltaram de imediato a Jerusalém, esquecendo o medo, ou vencendo-o, para anunciarem que Jesus Cristo estava vivo, porque também eles O tinham visto.
Que Deus de amor, de bondade, de humildade, de entrega é o nosso, que assim, num «pedaço de pão», se oferece aos homens a quem Ele próprio deu a vida!
E todos os dias assim se entrega por nós, e todos os dias está ali disponível para cada um de nós, e todos os dias e em todos os momentos a Igreja nos chama a estar com Ele, e todos os dias tantos de nós faltam a esse encontro sem razão de nenhuma espécie.
Mas até podemos dizer, (tentando desculpar-nos), que não faltamos à Missa Dominical!
Mas porquê, porque é que não faltamos? Já nos perguntámos porquê?
É porque realmente queremos estar com Ele, queremos encontrar-nos com Ele, para O adorar e Lhe dar graças, ou é por tradição, por rotina, ou até por superstição, (não vá alguma coisa correr mal na nossa vida).
Perdoem-me a irreverência e brutalidade da ideia, mais é mais ou menos como um amigo “chato”, que nos dá emprego, que nos ajuda quando precisamos, mas que temos de aturar pelo menos uma vez por semana, não vá ele deixar de ser nosso amigo!
Às vezes até se escolhem as Missas em que o Sacerdote é mais rápido, (para o encontro com Deus não ser tão demorado!), esquecendo-nos da comunidade paroquial, daqueles que são nossos vizinhos e se cruzam connosco todos os dias, esquecendo-nos da «união fraterna».
As coisas que hoje em dia vemos durante a celebração da Eucaristia são de “bradar aos céus”:
São os telemóveis que tocam e alguns até se levantam e saem para os atender, quando não o fazem mesmo no seu lugar.
(Gostava de os ver atender o telemóvel durante uma entrevista para um emprego!)
São as conversas sobre tudo e sobre nada, como se estivéssemos num qualquer café social!
E paro por aqui porque a lista não acabaria.
Na altura da Comunhão confundimos dignidade e seriedade, com tristeza e abatimento, e é vermo-nos em procissão de cabeça baixa, ombros inclinados, como se um peso insuportável nos fizesse assim, e depois regressarmos ao lugar no mesmo estilo, ou pior, ou então conversando com quem vamos encontrando no caminho de regresso.
Chega-se atrasado, porque no entender de alguns a Missa só começa no Evangelho, e depois, depois não temos tempo para os avisos, (já demos tempo demasiado ao nosso Deus!), e por isso saímos, nem sequer esperando pela bênção final, nem esperando por algum breve convívio com aqueles que são nossos irmãos na Fé.
Também eu, obviamente, ao escrever tais palavras, me confronto comigo próprio e com as minhas atitudes, reconhecendo tanta coisa a mudar em mim.
Tanto para dizer sobre a «fracção do pão», e tão pouca inspiração para o fazer, reconheço-o humildemente, mas encontramos já aqui muita coisa para reflectir.
Lembro-me da história verdadeira do Cardeal Nguyen Van Thuan, preso treze anos no Vietnam, sobre a celebração da Eucaristia, de que aqui deixo relato.
«Sempre inspirado pela criatividade amorosa, Van Thuan escreveu uma carta aos amigos pedindo que enviassem um pouco de vinho, como remédio para doenças estomacais. Assim, a cada dia, três gotas de vinho e uma de água eram suficientes para trazer Jesus eucarístico à prisão. Os pedacinhos de pão consagrado eram conservados em papel de cigarro, guardado no bolso com reverência. De madrugada, ele e os poucos católicos detidos ali davam um jeito de adorar o Senhor escondido com eles.»
Nós, no nosso mundo, temos as portas das igrejas abertas, e, como acima digo, um pouco mais perto ou um pouco mais longe, temos com certeza a celebração da Eucaristia.
O que esperamos então nós para sermos também «assíduos à fracção do pão»?
*Lc 24, 30-31; Lc 24, 33-35
(continua)
Monte Real, 6 de Outubro de 2010
Joaquim Mexia Alves
http://queeaverdade.blogspot.com/2010/10/comunidade-modelo-3.html
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