Foi há dias que, num informal encontro de umas três dezenas de amigos, algures no norte, alguém inocentemente e com a maior seriedade brindou a assistência com a última novidade: a Organização Mundial da Saúde anunciou o fim da pandemia da gripe A! A reacção foi imediata e unânime: estalou a gargalhada geral, que não teria sido mais sonora, nem menos sincera, se essa conspícua entidade internacional tivesse decidido certificar o naufrágio do Titanic, o óbito de Napoleão ou a morte das vítimas do dilúvio universal.
No elevador de um hotel de Fátima, encontrei recentemente uma paradoxal advertência: «em caso de incêndio, mantenha o sangue frio»! Pois é, em tempos tão infelizmente incandescentes, a Organização Mundial da Saúde não conseguiu manter o sangue frio. Pelos vistos, ainda fervilha em febris convulsões de uma mórbida imaginação, pois só assim se compreende que, em plena silly season, se tenha dado ao trabalho de declarar extinta a pandemia que nunca existiu, muito embora anunciada e profetizada como a nova peste bubónica, a que milhões de seres humanos teriam que pagar o pesado tributo das suas inocentes vindas. Salvo as poucas vítimas que, por escassas, não são menos de lamentar, a gripe A poupou-nos, graças a Deus, mas não assim a Organização Mundial da Saúde que, não tendo conseguido matar-nos com o temível vírus H1N1, procura agora assassinar-nos com uma arma ainda mais mortífera: o riso! Haja dó…
Não obstante a pouca fiabilidade das catastróficas previsões, a verdade é que não faltou quem avançasse com rigorosíssimas profilaxias e chorudos negócios: vacinas, máscaras, desinfectantes, etc. Até o templo santo, que se supunha mais imune aos males do século, se viu cenário de severas medidas de prevenção de eventuais contágios, como as aparatosas abluções a que alguns ministros do culto se entregaram escrupulosamente, os mesmos que antes – por sua alta recreação, sem razão teológica nem licença eclesiástica – tinham abolido a prática da lavagem das mãos do celebrante no ofertório, por sinal muito mais litúrgica, funcional e discreta do que essas improvisadas e espectaculares purificações. É de crer que, com o fim da pandemia que, como a pescada, antes de o ser já era, regresse o bom senso, restaure-se a praxe do lavabo e se remetam para as sacristias, de onde nunca deveriam ter saído, os detergentes e as pias de baixa condição.
Em boa hora, Bento XVI esteve em Portugal dias inesquecíveis do mês de Maria. Foi um primeiro incêndio, este não ateado pelo vento nem por criminosas mãos humanas, mas pelo sopro do Espírito, o fogo do amor e da verdade. Para além do sempre surpreendente brilho do verbo inspirado do Vigário de Cristo, ressoou um pouco por toda a parte o bom exemplo da sua piedade, sobretudo nos momentos culminantes das celebrações eucarísticas a que presidiu, em Lisboa, Fátima e Porto. E não terá sido por acaso que o mesmo gesto se repetiu nessas três missas, pois em todas a Sagrada Comunhão foi dada na boca aos fiéis que a receberam, ajoelhados, das mãos do Santo Padre.
Sem querer dar ao facto valor normativo, de que carece, cumpre sublinhar que, em pleno histerismo gripal, a atitude de Bento XVI foi corajosa e inspiradora. Quantos presbíteros, em pleno ano sacerdotal, se comoveram ante a profunda e humilde adoração eucarística do Papa! Quantos leigos agradeceram a Bento XVI esse gesto, que lhes recordou a sua liberdade – que é também um seu direito – de receber a comunhão com essa mesma fé e atitude de veneração! E quantos cristãos, ante o ridículo dos exageros internacionais, das manipulações da opinião pública e, o que é pior, das tentativas de tergiversação da doutrina católica e da perversão da sua expressão litúrgica, sentiram-se confirmados na fé e reafirmados na sua confiança naquela única instituição contra a qual as portas do inferno não prevalecerão!
Bem vistas as coisas, agora que estamos em tempo de rescaldo da inexistente pandemia, bendita gripe A e bendita Organização Mundial de Saúde!
Gonçalo Portocarrero de Almada
In ‘Público’ de 22 de Agosto de 2010
2 comentários:
O fino espírito hirónico do escrito não é significativo valor acrescentado à verve do excedlente escritor a quem peço, encarecidamente, que não nos deixe muito tempo sem estes "refrescos" de bom humor, sábia e ponderada visão.
Uns salutares parabéns ao autor do texto, que com ironia nos mostra os exageros de uma sociedade.
Têm sido tantos os alertas vermelhos e de outras cores que, se um dia, Deus nos livre, houver algo mesmo sério já ninguém acredita!
É o "menino e o lobo"!!!
Um abraço em Cristo
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