Se o genoma dos chimpanzés é 98,6% humano, isso significa que estes deveriam ter 98,6% dos direitos humanos?
Se os chimpanzés partilham 98,6% do genoma humano (toda a informação biológica necessária para formar e preservar um ser vivo) isso não os deveria tornar 98,6% humanos? Não lhes deveria ser concedida 98,6% de dignidade humana? Jeremy Taylor, em "Not a chimp: the hunt to find the genes that make us human", toma a liberdade de discordar. O autor afirma que os principais nomes da primatologia, como Frans de Waal e Jane Goodall, nos estão apenas a colocar cascas de banana no caminho. Aliás, as bananas partilham 50% do nosso ADN, mas isso não significa que sejamos metade banana.
Se, por um lado, um grande número de cientistas está preocupado com a perda de grandes áreas a favor dos símios, por outro lado, os cientistas são incapazes de contrariar a tendência tipicamente humana de antropomorfizar tudo aquilo que nos rodeia. Embora estejam à margem da esfera da ciência, estes dois factores exercem uma forte pressão psicológica para os seus praticantes. Consequentemente, assiste-se a uma promoção activa dos direitos dos macacos pelos especialistas na área. Embora Jane Goodall não tenha conseguido convencer um tribunal austríaco de que um chimpanzé como Matthew Pan poderia ser uma pessoa, os seus argumentos conseguiram surtir efeito em Espanha e na Nova Zelândia: ambos os países decretaram leis que reconhecem os direitos dos primatas. Porém, que provas científicas podem uma Jane Goodall, um Frans de Waal ou mesmo um Peter Singer sacar para abrir um caso sobre os direitos dos símios? Nenhuma suficientemente convincente.
Embora o Homem tenha derivado de um antepassado comum há uns seis milhões de anos, a nossa necessidade de comparar ADNs levou a uma investigação pormenorizada sobre os chimpanzés na nossa pesquisa sobre as origens do Homem. Agora que foi descoberto que partilhamos 98.6% dos mesmos genes, as diferenças evolucionárias entre os homens e os símios não serão assim tão grandes, certo? Errado! Quando olhamos para a forma como os genes trabalham e se reproduzem, as semelhanças descem para 94%. Quando observamos o sistema imunitário, as semelhanças caem para os 87%.
O livro "Not a chimp" conduz-nos através de algumas das mais recentes descobertas da gruta de Aladino do genoma. Podemos, desde logo, ver que existem grandes diferenças entre o Homem e o macaco e podemos imaginar que pesquisas futuras apenas aumentarão esse abismo. Olhemos para algumas delas.
Entre os "punhados de genes" que nos tornam humanos encontra-se o FOXP2: um gene que produz proteínas que controlam outros genes responsáveis pelo funcionamento da linguagem e pela articulação do discurso. Pensa-se que o FOXP2 desempenha um papel significativo no canto das aves e na ecolocalização dos morcegos. Entre os ratos e os macacos existe um aminoácido diferente neste gene. Entre os macacos e os humanos há dois aminoácidos diferentes. Também detectamos diferenças significativas no que respeita ao ASPM e à Microcefalina, responsáveis pelo desenvolvimento do cérebro, verificando-se um hiato significativo entre os primatas e os restantes animais. Hiato esse, que é ainda maior entre primatas e seres humanos. E não é tudo: a estrutura "social" do cérebro é outra área em que as diferenças são significativas entre os humanos e os macacos. Nós temos mais células fusiformes (a base neurológica da intuição moral) e (talvez controversamente) mais neurónios-espelho, com os quais imitamos e aprendemos. Os macacos fazem aquilo que vêem? Os chimpanzés aprendem a usar galhos para pescarem térmitas. Os professores do ensino básico passam vídeos dos ditos chimpanzés a pescar, na Internet, e ensinam as crianças a defenderem os direitos dos animais.
A evolução é um trabalho em progresso. Pelo menos, o genoma humano está a mudar a um ritmo cada vez maior. Com a mudança para a agricultura e a "auto-domesticação" há 10.000 anos, um número de mudanças genéticas foram naturalmente processadas. O TDAH (devido à dopamina) parece ter estimulado a migração, a vasopressina aumentou a escravidão, a serotonina alimentou a euforia da dança. Embora a expansão do cérebro tenha levado ao desenvolvimento da plasticidade e da criatividade, também contribuiu para o desenvolvimento de perturbações como a doença de Alzheimer, a esquizofrenia e o distúrbio bipolar.
Mas deixemos as alterações recentes. Outras diferenças evolucionárias são bem mais antigas. O desaparecimento do gene CMAH foi uma resposta evolucionária bem-sucedida, se bem que rápida e obscena, para a antiga malária. Mas, mais uma vez, houve um preço a pagar. Sem o NeuSGc, fomos deixados à mercê de doenças auto-imunes como a SIDA, a hepatite, a diabetes tipo 1 e a psoríase. Ainda há poucos anos, em 2006, a experiência com TGN1412 provou que este era inofensivo para os macacos, mas era capaz de extenuar os linfócitos T dos humanos, inchando as suas cabeças e fazendo com que se parecessem com elefantes.
Então, por analogia, não poderíamos pelo menos usar o argumento de Peter Singer de que os macacos deveriam ter o mesmo tratamento que os humanos abaixo do normal? Para Taylor isto é um insulto para ambas as espécies. O argumento da analogia começa a falhar quando examinamos animais sem qualquer relação aparente, como corvos e cães. A necessidade funcional pode conduzir a alterações evolucionárias que não se baseiem na posse dos mesmos genes. Os cães olham para os nossos olhos e conseguem adivinhar para onde estamos a apontar. Os chimpanzés estendem as mãos a pedir comida, mesmo que tenhamos um balde na cabeça e não os consigamos ver. Os corvos conseguem fazer ferramentas de pontas recurvadas a partir de fetos, usar carros para partir nozes e mesmo voltar a esconder comida dos pássaros que possam tê-los visto quando estavam a armazenar comida da primeira vez. Os corvos conseguem, até, usar ferramentas intermediárias - empurrando um pau para obter um maior para arranjar comida. Os chimpanzés não mostram qualquer conhecimento de física. Em testes de inteligência, os Corvídeos provaram que os macacos têm cérebro de passarinho. Se os macacos são como os Commodore 64, comparados aos Pentium humanos, os pássaros podem ser considerados um Macintosh da Apple.
Os humanos e os chimpanzés podem partilhar genes semelhantes, mas são espécies totalmente distintas. Por seu turno, embora não partilhem os nossos genes, os nossos amigos de penas encontram-se mais próximos de expressar uma teoria da mente.
Fonte da Aceprensa: www.mercatornet.com
________________________________________
Tradução de Isabel Costa (Aceprensa)
Sem comentários:
Enviar um comentário