Trabalho das religiosas mostra que é possível apaziguar a dor e morrer com dignidade
“Tratam de mim como a uma criança. Às vezes pergunto: meu Deus, que mais quero eu? Mas sofri muito. Passei uns anos muito amargurados. Agora estou pronta para partir, em paz com o meu próximo e com Deus”. Faz agora um mês que Inês Garlito chegou à Unidade de Cuidados Paliativos das Irmãs Hospitaleiras, em Idanha, Sintra, vinda do Instituto Português de Oncologia.
Depois de apaziguar a dor, por vezes experimentada com grande intensidade, a Unidade trabalha a dimensão espiritual, psicológica e social. A equipa é constituída por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e espirituais, bem como voluntários, que procuram oferecer o melhor de cada dia aos pacientes em fase terminal.
A Ir. Paula Carneiro, coordenadora da Unidade, refere ao Programa «70x7» que a missão principal da Congregação Hospitaleira é poder assistir a pessoa em sofrimento mental e psíquico.
Mesmo as estadias curtas podem ser marcantes. Helena Cardoso perdeu a mãe há oito meses, depois de ter passado apenas dez dias nas instalações das Irmãs Hospitaleiras. A memória desse acompanhamento ficou-lhe para a vida: “Quando um bebé está a chorar, damos-lhe todo o carinho e adormecemo-lo, compreende? Foi o que eu senti ao pé da minha mãe”.
Dar vida aos dias
“Os doentes chegam numa fase muito adiantada da doença. Quanto a nós, deveriam vir mais cedo, para podermos trabalhar melhor essas situações”, afirma a enfermeira-chefe, Fátima Oliveira.
Até à hora da morte, a equipa procura satisfazer pequenos desejos: “Temos um senhor que não queria partir sem conhecer a águia do Benfica, e ela veio cá. Temos uma senhora que não queria partir sem conhecer o Malato [apresentador de televisão]; eu andei a correr atrás dele, e ela partiu três horas depois de o conhecer”, conta Fátima Oliveira.
“Aqui dá-se vida aos dias, e não dias à vida. Não temos como objectivo prolongar a vida a qualquer custo. Não há nada que mude o tempo que a pessoa tem para viver”, refere Fátima Oliveira.
Sílvia Noné, psicóloga, afirma que é preciso estar ao lado do paciente, ajudando-o a adaptar-se à doença e à proximidade da morte. “É muito bom ver” que alguns doentes e familiares – não todos – conseguem aceitar a situação, explica.
Para Fátima Oliveira, a principal finalidade da Unidade S. Bento Menni, “é que a partida seja tranquila e sem sofrimento”. Para que este propósito seja alcançado, as Irmãs Hospitaleiras contam com a disponibilidade do capelão, Pe. Ricardo Cristóvão, pároco de Belas.
Falta capacidade de resposta
Não há capacidade de resposta para as necessidades de cuidados paliativos, que são “uma mais-valia”, e não unidades onde “as pessoas são colocadas para passar os últimos dias de vida”, afirma a professora de enfermagem Ana Querido. No entanto, a associação deste acompanhamento à ideia de morte afasta as famílias e os pacientes destas unidades de tratamento, critica a investigadora.
“Muitas vezes diz-se que não há nada a fazer”, observa o médico Manuel Ferreira. Não é verdade: Há muito a fazer quando não se consegue curar”.
Depois da morte, há vidas para cuidar. Por isso, o trabalho da Unidade de Cuidados Paliativos continua com a família, acompanhando o seu luto.
Dignificar o último momento
Nazaré tinha 47 anos quando um tumor cerebral lhe tirou a vida em nove meses. O respeito pela individualidade e a insistência na comunicação, mesmo quando o doente já não se pode expressar verbalmente, foram alguns dos aspectos testemunhados pelo marido.
“Nos dois meses e quatro semanas que estive aqui, nunca, nunca ouvi um gemido, um choro de desespero, nunca vi uma tristeza profunda”, por contraposição a outros hospitais, onde se ouvem “gritos lancinantes de dor, em que as famílias não ajudam porque também não estão a ser acompanhadas” e onde os parentes se atiram ao chão nos corredores após a morte do doente, referiu Paulo Pascoal.
“Eu pensava que essas situações eram normais”, mas “a gente não tem que morrer assim, não deve morrer assim”.
(Fonte: site Agência Ecclesia)
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