Entrei na casa de banho pública de um centro comercial à hora do almoço e interrompi, sem querer, o ritual silencioso e incrivelmente cerimonioso da senhora que lava e limpa retretes, lavatórios, paredes e chão. Estava tudo impecável e, por acaso, sem cheiros mas eram horas de almoço e como o turno ainda só ia a meio (vi, depois, anotado na folhinha atrás da porta de entrada que acabava às 18h), a senhora criou o ambiente possível para a sua refeição. Trabalha sozinha e não pode ficar ausente. Presumo que a certeza de um ordenado certo em tempos tão incertos compense o facto de ter que almoçar todos os dias numa casa de banho pública.
Discretamente demorei a lavar as mãos, para perceber até onde ia a dignidade daquela mulher. Vi-a colocar um prato e um copo sobre um guardanapo estendido no fraldário e retirar, depois, uma caixa de plástico onde trazia a comida.
Sorrimos uma para a outra através do espelho, sem dizer uma única palavra porque não há nada a dizer numa circunstância daquelas. A cumplicidade também potencia a dignidade. Instantes como este trazem uma consciência aguda de que não há mérito nenhum em nascer do lado de cá ou de lá da vida. Ela podia ser eu e eu podia ser ela. No silêncio do espelho senti-me profundamente devedora.
Laurinda Alves (Jornalista) – crónica publicada em 22 de Agosto no jornal “i”
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