Realismo e esperança, apesar da crise económica mundial. Eis a terceira encíclica de Bento XVI em breve síntese ou, melhor, segundo a rápida aproximação a um texto tão importante e rico quão longa foi a sua elaboração. Para continuar uma tradição de documentos papais iniciada em 1891 pela célebre Rerum novarum de Leão XIII e depois desenvolvida com vigor em 1931 pelas duas encíclicas de Pio XI sucessivas à grande recessão económica e financeira que se manifestara dois anos antes: a Quadragesimo anno e a quase desconhecida Nova impendet sobre a gravidade da crise e sobre a loucura da corrida aos armamentos, que manifestou já então aguda percepção de um problema ainda actual. Até chegar aos ensinamentos sociais de João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.
Nesta série se inclui a Caritas in veritate ressaltando, também neste âmbito, a continuidade entre a tradição anterior e a sucessiva ao Vaticano II. Referindo-se de modo particular às encíclicas do predecessor e sobretudo às duas últimas de Montini, que quarenta dias antes de morrer Paulo VI recordou como especialmente expressivas do seu pontificado: a Populorum progressio, ponto de referência contínuo e quase subjacente deste documento beneditino, e a Humanae vitae, da qual é retomada explicitamente também a leitura social, como aconteceu há quarenta anos sobretudo no Terceiro Mundo face à tempestade de críticas, também no interior da Igreja, que nas ricas sociedades ocidentais atacaram a encíclica paulina e parecia que quase a subvertessem.
O que rege todo o esquema da Caritas in veritate, dirigida inusitadamente aos católicos e "a todos os homens de boa vontade", é a relação entre as duas palavras do título. Relacionadas com esta força que dela é feita advir a possibilidade de um desenvolvimento integral da pessoa e da humanidade: garantido precisamente só pela "caridade na verdade", ou seja, pelo amor de Cristo. Como mostra com clareza a introdução. No âmbito deste quadro teológico a encíclica traça uma summa socialis vigilante e actualizada, que desmente se ainda houvesse necessidade a imagem de um Papa só teólogo fechado nos seus aposentos e confirma ao contrário quanto Bento XVI está atento, como teólogo e pastor, à realidade contemporânea em todos os seus aspectos.
No texto sobressai portanto, à primeira vista, a atenção aos fenómenos da mundialização e da tecnocracia, em si neutros mas sujeitos à degeneração por causa "em termos de fé" especifica o Papa do pecado das origens. Um olhar mais atento capta contudo a confiança na possibilidade de um desenvolvimento deveras humano, o que já Paulo VI via contemplado pelo desígnio da providência divina, e sinal, de certa forma, do caminho progressivo da cidade do homem para a de Deus. Não se pode qualificar portanto a atitude de Bento XVI como pessimista a priori, como alguns gostariam, mas também não pode ser comparada com ingénuos e irresponsáveis optimismos, porque se funda sobretudo na confiança tipicamente católica numa razão aberta à presença do divino.
Assim a esfera económica e a técnica pertencem à actividade humana e não devem ser exorcizadas, mas nem sequer deixadas a si mesmas porque devem estar vinculadas ao bem comum, isto é, governadas sob o ponto de vista ético. Para se limitar a um só exemplo, o mero fenómeno da globalização em si não irmana os homens, de modo que são evidentemente necessárias regras e lógicas que a orientem.
Então se a dimensão económica pode e, aliás, deve ser humana, se o momento histórico é propício para abandonar ideologias que sobretudo no século passado deixaram atrás de si unicamente ruínas, então chegou deveras o momento de aproveitar a ocasião oferecida pela crise mundial para sairmos dela juntos, os crentes com os homens e as mulheres de boa vontade. De facto, o Papa a todos escreve que é preciso viver como uma família, sob o olhar do Criador.
Giovanni Maria Vian - Director
Sem comentários:
Enviar um comentário