Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Às vezes é necessário revisitar argumentos para os temas mais importantes o nosso tempo

Argumentação inválida e manipulação
Rita Lobo XavierProfessora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

No tempo em que se abordava o Direito também como argumentação, e o seu ensino não se confinava à mera e resignada descrição de textos legislativos, era fundamental aprender a reconhecer e a rejeitar os argumentos inválidos. Esse exercício fascinante pode fazer-se neste momento a propósito do debate sobre o "casamento" entre pessoas do mesmo sexo.

Todo o debate é deliberadamente centrado numa das falácias mais facilmente reconhecíveis pelos especialistas em manipulação de argumentos: a chamada "falácia da pergunta complexa", que consiste em formular a questão principal de uma forma tal que pressupõe já uma resposta positiva a uma anterior questão implícita. Os defensores da tese de que há discriminação quando se recusa o "acesso" ao casamento civil a pessoas do mesmo sexo assentam no princípio - para eles indiscutível - de que a preferência quanto a relacionamento afectivo e sexual gera uma identidade distinta. Ora na diferenciação masculino/feminino não têm qualquer relevância os gostos e preferências subjectivas. Por isso, aquela argumentação, hábil mas inválida, vicia toda a discussão subsequente e tem de ser rejeitada logo de início.

Na verdade, a resposta à questão de saber se a lei discrimina os homossexuais e lésbicas quando caracteriza o casamento como uma plena comunhão de vida entre pessoas de sexo diferente tem de partir do facto de os seres humanos serem homens ou mulheres, porque só enquanto homens ou mulheres devem ser protegidos contra as discriminações em função da raça, do sexo ou das preferências sexuais. Os homens e as mulheres com preferências sexuais por pessoas do mesmo sexo não são impedidos de casar por causa da sua orientação sexual. Como homens e mulheres que são, podem aceder a uma instituição que sempre teve e continua a ter relevância social unicamente como enquadramento da geração e socialização dos membros da família humana. Não existe aqui qualquer discriminação: pelo contrário, a lei trata os homens e as mulheres como tal, independentemente das suas preferências sexuais. Isto só deixaria de ser assim se fôssemos obrigados a aceitar que, por causa das suas preferências sexuais, os homossexuais e as lésbicas têm de ser considerados como um grupo à parte, dentro do conjunto de seres humanos, homens e mulheres.

É por isto que não existe qualquer espécie de analogia entre as históricas lutas dos escravos ou das mulheres e a reivindicação do "acesso" ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo. Essas lutas foram travadas em nome da igualdade de direitos de todos os homens e de todas as mulheres, enquanto tais. A "colagem" a essas manifestações históricas contra a discriminação teve sucesso no processo de reivindicação pela igualdade de tratamento dos homossexuais e lésbicas nos Estados Unidos. Aliás, ela é referida e incentivada em numerosos textos que divulgam a melhor estratégia para chegar ao objectivo "acesso ao casamento civil", mas constitui uma óbvia manipulação que falseia uma discussão esclarecida.

Outras falácias menores e mais evidentes são também usadas neste debate, como a falácia ad misericordiam, chantagem afectiva que pressiona psicologicamente o auditório, desencadeando sentimentos de compaixão pelas pessoas a quem é supostamente negado o acesso a uma felicidade que estaria consubstanciada num casamento; ou mesmo a falácia "demagógica", que consiste em invocar que determinada opinião é aceite pela generalidade das pessoas, provocando a intimidação do interlocutor e deslocando para quem discorda o principal encargo argumentativo.

No tempo em que as leis eram projectadas a pensar no bem comum e em que podíamos tranquilamente confiar na presunção de que "o legislador consagra as soluções mais acertadas", não veríamos os representantes dos portugueses colaborarem em toda esta encenação por motivos eleitorais, tentando fazer-nos crer que a adulteração do casamento civil é um preço que todos temos de pagar em nome do valor superior da eliminação de discriminações. O que realmente promovem, no entanto, não é a igualdade de direitos, mas sim a construção de um direito exclusivo para um grupo humano que se auto-discrimina, pretendendo um tratamento diferente dos restantes homens e mulheres que se baseia em características não essenciais.

Este ambiente de argumentação manipulada contribui para que se encare com grande leviandade as consequências da adulteração do casamento civil, eliminando-se a sua marca mais importante, o que é lamentável. Na verdade, os regimes de protecção social ou de disciplina patrimonial e sucessória são puramente acidentais na regulação jurídica do casamento, e podem nem sequer existir, como acontece nalguns ordenamentos. A estes aspectos podem ter acesso os membros das uniões homossexuais, sem que para tanto sejam obrigados a casar.


(Fonte: Jornal “Público” edição de 15.04.2009)

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