Guadalupe é a jovem à direita |
O melhor retrato de Guadalupe
Ortiz de Landázuri é ao lado de um avião, com uma amiga, em 1932. Um biplano da
época, com um motor enorme e pesadíssimo, de 8 cilindros em V, mas com uma
potência realmente pequena, como se fosse quase toda empregue a fazer barulho.
A estrutura do biplano vibrava sonoramente, de modo que tudo emanava decibéis.
Um jogo de cabos e roldanas manobrava as superfícies alares, outros cabos
controlavam o motor. Se tudo corresse bem, o grande pássaro começava a rolar
inclinado na terra batida, arrastando a cauda, saltava para a horizontal e
continuava a acelerar, até que um puxão decisivo da manche o erguia ligeiramente
do chão, flutuando no ar a oscilar lateralmente como um pêndulo. Uns cabos e
roldanas trabalhavam para estabilizar estas oscilações, outros cabos mantinham
o motor a roncar à rotação máxima. No auge da velocidade, o avião cortava os
ares a 200 km/h! Um dos divertimentos era entrar numa nuvem e deixar de ver a
paisagem até sair do outro lado. A viagem terminava aos saltos na terra batida.
O trem rígido transmitia à fuselagem os impactos e os cabos, esticados ao
máximo, a custo conseguiam que as asas mantivessem o aparelho horizontal. Cada
salto era uma incógnita mas, a cada salto o avião perdia velocidade. Em certo
momento, a cauda caía, arrastava-se pelo chão e o avião fazia piões levantando
poeira – para a esquerda ou para a direita, nunca se podia adivinhar para que
lado rodaria de cada vez – até finalmente as rodas se encravarem numa
irregularidade do terreno. Este último choque, que fazia estremecer toda a
estrutura, era o sinal de que a viagem tinha terminado bem. Fechava-se uma
válvula e, passado pouco tempo, o motor sufocava por falta de combustível. O
silêncio regressava ao campo mas os pilotos, neste caso as duas amigas,
continuavam ensurdecidas pelos barulhos anteriores.
Esta fotografia de Guadalupe em
1932, com a amiga que pilotava o avião, é o símbolo perfeito de uma rapariga
aventurosa e independente. Também existem imagens dela na universidade, no
laboratório em que investigava e na época do doutoramento, ou mais tarde quando
dava aulas. Existem fotografias de Guadalupe a divertir-se com amigas em várias
cidades do mundo onde viveu. Existe uma fotografia dela, sorridente, sentada no
cimo da torre da granja mexicana de Montefalco, então em escombros, que
recuperou para um extraordinário trabalho de promoção social dos camponeses da
zona. Pelo interior dessas terras mexicanas, foi mordida por um lacrau e esteve
às portas da morte. Quantas andanças e experiências radicais!
No entanto, a razão que levou o
Papa Francisco a decretar que Guadalupe fosse beatificada neste sábado, 18 de
Maio de 2019, passa desapercebida nas fotografias. A razão é que Guadalupe foi
santa. Mulher de oração intensa, no meio das peripécias da vida, também nos
trabalhos profissionais e nas relações de amizade. No início de 1944, Guadalupe
deu-se conta de que Deus a chamava a santificar-se dessa maneira, sem nada de
especial, procurando servir os outros e transformando cada momento numa
contemplação enamorada de Deus. Esta vocação à santidade concretizava-se em ser
do Opus Dei e Guadalupe aceitou tudo o que Deus lhe pedia.
A sua vida não podia ter sido
mais simples, nem mais intensamente feliz. O processo de canonização iniciou-se
poucos anos depois da morte, a pedido de milhares de pessoas que a conheceram e
de muitos bispos de vários países do mundo que, de uma forma ou de outra,
tiveram contacto com ela. Seguiram-se todos os passos usuais, examinou-se
cuidadosamente o milagre requerido pelo Direito Canónico para a beatificação e
tudo culminou com a cerimónia de beatificação, neste sábado, por decisão do
Papa Francisco.
José Maria C.S. André
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