Consagração durante a celebração da Santa Missa na Basílica da Santíssima Trindade em Fátima
O Alexander veio para Portugal por causa do «kite surf», porque a Suíça não tem as ondas poderosas do nosso Atlântico. Rapidamente fundou uma empresa, sem deixa o «kite surf». Mas o que o atarraxou definitivamente às praias lusitanas foi ter conhecido a Filipa: inteligente, cheia de energia, elegante, como nos contos de fadas.
Quem me contou o resto da história, foi o próprio Alexander, numa época em que ainda carregava um pouco nos erres. O jovem casalinho passeava de carro, quando a Filipa manifestou gosto de passar por Fátima: Jawohl, querrida, já estamos a caminho. Depois, a Filipa pensou em confessar-se: Estás à vontade, eu esperro. O Alexander esperou, deu uma volta e outra, até que a Filipa saiu do confessionário banhada em lágrimas.
– Se o padrre te trratou mal, eu falo com ele!
– Não me deu a absolvição...
– Porrque não te deu a absolvição?
– Porque não estamos casados.
O Alexander reconheceu: nisso o padrre tem rrazão, não estamos casados...
A primeira paragem do passeio, de regresso a casa, foi à porta do pároco, para marcar o casamento.
Começou assim a etapa mais maravilhosa da Filipa e do Alexander. Ela fechou um interregno de costas voltadas para a Igreja e o Alexander recebeu uma catequese que lhe desvendou a fé cristã. Casaram. Prosperou o «kite surf» e a empresa. A família enriqueceu-se com a alegria de muitos filhos. A Filipa e o Alexander empenharam-se, com toda a alma, em causas sociais. Desde que o prepararam para o casamento, o programa diário do Alexander centra-se na Eucaristia. Percebeu que é indispensável dedicar tempo, sem pressa, à oração, todos os dias. E Deus, que não Se deixa vencer em generosidade, abençoou-os.
Veio-me à memória a história deste amigo, quando lia na recente Exortação apostólica, «Amoris laetitia», os apelos do Papa à confiança na graça (36), a abrir-se à graça (37), a acreditar na força da graça de Deus (38). Mesmo nos casos em que o caminho até à plenitude do amor é mais longo, «devemos incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida, formada e acompanhada (...), e propor uma confiança cada vez maior na graça» (303).
Realmente, não me lembrei do Alexander, mas do padre que atendeu a rapariga no confessionário de Fátima. Deve ter ficado com o coração despedaçado por não lhe poder dar a absolvição. Sentiu, talvez, a tentação de aguar o plano de Deus, de pensar que eles não podiam perceber a doutrina maravilhosa de Cristo. Pelo contrário, teve confiança em que a graça vence os obstáculos e sabedoria pastoral para encher de ânimo um coração ferido; juntou a verdade e a misericórdia: «às vezes custa-nos muito dar lugar, (...) ao amor incondicional de Deus. Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos de sentido concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho» (311).
Uma pessoa pode sentir-se impotente para ajudar os outros, mas não pode medir o poder de Deus pela bitola humana: «é sempre inadequada qualquer concepção teológica que, em última instância, ponha em dúvida a própria omnipotência de Deus e, especialmente, a sua misericórdia» (311).
Um dia, eu disse ao Alexander que tinha de ir a Fátima agradecer àquele padre o que fizera por eles. O Alexander concordou, queria tanto encontrá-lo, mas não sabia como:
– Sei lá quem é! Há tantos padres em Fátima...