A liderança dos cabos de guerra é
a mais fácil, a do herói militar que galvaniza a tropa até rasgos de heroísmo
em que os indivíduos esquecem os perigos da luta.
Gerar à volta liberdade interior,
projectos autónomos, personalidades únicas, é um outro nível de liderança,
porque é uma liderança paradoxal. O Padre João era assim, descobria protagonistas,
suscitava iniciativa e imaginação criadora. Ele próprio, numa entrevista à
rádio, tirava mérito à sua acção dizendo uma coisa bem verdadeira: «Sou um
padre prático, sempre fui. O que eu fiz foi acompanhar (…) e o que se gerou à
minha roda não fui eu que gerei, regra geral foi feito pelos outros». É isto. Descobrir
talentos, abraçar cada pessoa, ajudá-a a dar o melhor de si mesma. Liderar sem
protagonismo, promover protagonistas.
Muitíssima gente se sente ligada
ao Padre João, em variados âmbitos. Porque foi durante muitos anos o carismático
capelão da Universidade Católica, um professor brilhante, porque acompanhou durante
uma década as equipas de casais de Nossa Senhora, sobretudo porque trouxe para
Portugal o movimento Comunhão e Libertação e esteve na origem de uma rede de
colégios excelentes na cidade de Lisboa, e ainda pelas suas intervenções
públicas, pela sua acção como pároco, etc. Cada um destes capítulos mereceria
um livro.
O Padre João vivia rodeado de multidões,
onde quer que estivesse, mas tratava cada indivíduo pelo nome e dirigia-se a
cada um de maneira diferente. Evidentemente, tinha uma memória fabulosa! Sobretudo,
conhecia as particularidades de cada vida e respeitava essa singularidade. A
memória ajudava-o, ainda que conhecesse as pessoas para além disso, fruto de
uma empatia profunda com cada um, que se prolongava na relação com Deus.
Muitos intelectuais, que concebiam
o cristianismo como uma ausência de novidade, foram apanhados de surpresa pelo
Padre João e converteram-se. São bastantes os casos conhecidos e muitos mais os
pequenos episódios que mudaram vidas. No livro «Não sou dono da verdade, mas
sou possuído por ela», estão lá 70 testemunhos a ilustrar pequenas e grandes
conversões de pessoas que se cruzaram com o Padre João. O título do livro é um
dos aforismos célebres do homenageado, como aquela outra frase de uma sua homilia:
«Os nossos olhos vêem e os nossos ouvidos ouvem o que muitos profetas desejaram
ver e não viram. Por isso, diante da vida, cada um de nós tem uma
responsabilidade, porque vimos uma coisa verdadeira e ouvimos uma palavra que
mudou a nossa vida. A novidade absoluta só existe em Jesus».
Sentia-se no Padre João o orgulho
de ser cristão, um enorme contentamento por conhecer Jesus e pertencer à Igreja.
Esta alegria, que não tinha nada de agressivo, era fé e gratidão pelo dom maravilhoso
da Igreja e também o desejo de confrontar todos com a beleza de Deus, para que abrissem
a inteligência e o coração ao melhor, ao mais grandioso. As pessoas surpreendiam-se
com a segurança e a firmeza do Padre João, mas sentiam-se acolhidas, porque ele
próprio não se considerava dono da verdade, era um «sortudo» que desejava partilhar
com todos o bem recebido.
Ausência de novidade no
cristianismo? Nada! O Padre João era a demonstração viva. Surpreendia
continuamente. Também pelo seu humor repentista e o carisma com que deixava o interlocutor
a pensar numa pergunta nova, destas que marcam definitivamente, não se esgotam e
ajudam a crescer.
O padre João Seabra morreu no dia
3 de Maio, doente de Parkinson, com 72 anos de uma vida plena.