A 1 de Maio (não no tempo da Covid mas em 1952), Brithe Bringsted e Jerôme Lejeune casaram-se. Ele era médico, de família burguesa, ela uma dinamarquesa sem fortuna nem pergaminhos, de educação protestante, órfã de pai. Demorou muitos anos a que a família de Jerôme a aceitasse e só um tio e a mulher compareceram na cerimónia do casamento, numa igreja católica de Anderson, na Dinamarca. O rapaz tinha nascido numa sexta-feira dia 13 e casava-se no dia 1 de Maio... não seria mau presságio?
As histórias deste amor arrebatado foram contadas em várias biografias, em particular na que foi escrita pela filha Clara Lejeune-Gaymard («La Vie est un Bonheur», Criterion). «Pai, o que é o amor à primeira vista?». Jerôme responde: «Não sei por que razão os joelhos tremem e a garganta fica seca quando a pessoa se enamora, mas sem dúvida o que se passou com a tua mãe e comigo foi um amor destes, como o fulgor de um relâmpago». Ao falar da extraordinária vida científica e intelectual de Jerôme Lejeune, convém recordar esta parte de poesia romântica e de alegria familiar prolongada e partilhada com os cinco filhos do casal.
Não cabe aqui a enumeração de todas as suas descobertas científicas, em campos diversificados da medicina. As mais conhecidas referem-se à trissomia 21, à trissomia 16 e ao efeito da radiação nuclear sobre a saúde. Foi um dos percursores mais notáveis da genética médica e, para cientistas de todo o mundo, parecia o candidato óbvio ao prémio Nobel.
Entretanto, mal começou a campanha mundial a favor do aborto, Jerôme Lejeune divulgou na opinião pública as suas observações, mostrando que o embrião tinha sensações, e pulmões, e mãos, e impressões digitais, e que, apesar da sua dimensão mínima, constituía um ser humano maravilhoso. Não era este o contributo que se esperava dele. Do dia para a noite, o entusiasmo dos poderes públicos transformou-se em oposição feroz. O Governo francês retirou-lhe o financiamento para a investigação e levantou-lhe todos os entraves possíveis. A partir de então, Lejeune teve de pagar a investigação com donativos privados e a nomeação para o prémio Nobel ficou fora de hipótese.
Em França e no estrangeiro, organizaram-se campanhas de ódio contra ele. Escreveram-se coisas que ainda hoje arrepiam. Foi atacado pela extrema-direita, que o acusou de ser uma víbora sexual, agente do KGB, assassino do Papa, etc., e, passando das palavras aos actos, esfaquearam-lhe os pneus do carro. Mais violentos foram os ambientes do capitalismo ateu e das ideologias marxistas, que jamais lhe perdoaram a sua defesa da vida humana. Houve ameaças sérias, além da perseguição administrativa verrinosa e da campanha persistente nos meios de comunicação. Felizmente, Jerôme Lejeune tinha um bom humor capaz de aguentar tudo e, principalmente, uma relação com Deus fortíssima e uma mulher excepcional.
Cruzou-se com gente extraordinária. Chegou a ser grande amigo de João Paulo II, que o nomeou membro da Academia Pontifícia das Ciências, Presidente da Academia Pontifícia para a Vida e o escolheu várias vezes como embaixador especial. É simbólico que o Papa tivesse almoçado com o casal Lejeune pouco antes de sofrer o atentado na praça de S. Pedro e que, Jerôme tivesse de ser hospitalizado com uma doença aguda no mesmo dia em que o Papa entrava no hospital.
A médica psiquiátrica Wanda Poltawska, sobrevivente do campo de prisoneiros de Ravensbrück, onde foi usada pelos nazis como cobaia em experiências médicas macabras, amiga dos Lejeune e muito próxima de Karol Wojtyla, conta que ela e o marido tomavam o pequeno-almoço com o Papa, no Vaticano, quando souberam da morte de Jerôme Lejeune: «foi um choque terrível para João Paulo II – “Meu Deus, eu tinha tanta necessidade dele...”». As longas páginas de condolências que João Paulo II escreveu, traduzem o que esta perda representou para ele. E o Papa voltou a comover-se quando, dias depois, Anouk, uma das filhas de Lejeune, lhe levou a dezena artesanal que o pai tinha feito para entregar ao Papa.
A aversão de alguns sectores a Lejeune, falecido em 1994 (há já mais de 25 anos), não esmoreceu e projecta-se hoje contra os membros da família e outras pessoas próximas. Mas uma multidão cada vez maior guarda no coração a sua memória. Aproveitando uma viagem a França, João Paulo II foi expressamente ao cemitério rezar diante do túmulo de Jerôme Lejeune. Bento XVI autorizou em 2007 que a diocese de Paris iniciasse o processo de canonização. Em 2013, ele foi um dos mais votados pela população francesa para ser colocado no Panteão nacional. Em 2016, o Papa Francisco nomeou Birthe Lejeune, mulher de Jerôme, membro «ad honorem» da Academia Pontifícia para a Vida e no ano seguinte o Vaticano recebeu a documentação recolhida em França (15 mil páginas), para estudar a sua beatificação.
Enfim, uma novela épica! E interruptamente romântica, desde aquele 1º de Maio de 1952.
José Maria C.S. André