Mons. Luciano Guerra foi reitor do Santuário de Fátima entre 1973 e 2008 e, no âmbito destas funções, o principal impulsionador e promotor da construção da Igreja da Santíssima Trindade, agora elevada à dignidade de Basílica.
Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, Mons. Luciano Guerra “dá graças a Deus” pela atribuição do título, recorda algumas das vicissitudes por que passou este projeto e reitera a ligação da Mensagem de Fátima à figura do Santo Padre.
A finalizar as suas palavras, Mons. Luciano Guerra afirma que “Deus sabe também que lugar está reservado à graça de Fátima, no esforço da Nova Evangelização, que oxalá possa ter como seu eixo principal - Alfa e Ómega - a Santíssima Trindade”.
A entrevista, na íntegra:
1 - Com que sentimento recebeu a notícia da concessão do título de Basílica à Igreja da Santíssima Trindade?
Mons. Luciano Guerra - Embora, desde o surgimento da ideia da nova igreja, eu mesmo tenha empregado, - distraidamente! - o termo “basílica”, nunca depois me pus a sério, nem a hipótese nem muito menos o desejo, de que ela viesse a receber esse título. De facto costumo ter, e sempre tive, alguma alergia às glórias eclesiais, por me parecer que muitas vezes nos esquecemos de as referir ao Alfa e Ómega de todos os nossos sucessos. Mas sim! Dou graças a Deus! Antes de mais, por se ter provado, em pouco tempo, que a nova igreja não era só muito conveniente, era mesmo necessária. A falta desta certeza foi causa de algumas hesitações. E depois também por o Sumo Pontífice reconhecer, tão cedo, que este espaço - objecto de bastante controvérsia, por motivos vários, e talvez também pela sua aparente neutralidade arquitectónica - responde bem à necessidade urgente que tem o povo de Deus de se concentrar no essencial, durante as celebrações de oração. O essencial é o mistério de Deus, uno e trino, donde nasce e onde termina o nosso próprio mistério: mistério de luta entre o bem e o mal, mistério de Vida ou de morte eternas. E também o mistério da Igreja, que Jesus, Filho único de Deus, quis instituir como seu sacramento, ou sinal, visível, e lugar, onde se perpetua o mistério do mesmo Jesus, que é o mistério pascal. Este mistério pascal - sintetizado no imponente Crucifixo central e no fundo dourado da Jerusalém Celeste, é finalmente também o mistério de Fátima, o mistério que urge viver na igreja da Santíssima Trindade.
2 – Retrocedamos um pouco no tempo… Por ocasião da decisão de se colocar o fragmento de pedra oferecido por João Paulo II no altar da nova igreja, Mons. Luciano Guerra afirmou que a decisão pretendeu ser “também de estímulo para todos quantos vierem a visitar o novo templo, no sentido de cultivarem o respeito para com a autoridade suprema da Igreja, a quem o Segredo de Fátima dá relevo de primordial importância”. Mais tarde, na dedicação da igreja, ao apresentar o espaço, disse que “demos-lhe (ao fragmento, retirado do túmulo de S. Pedro) o melhor lugar, ao centro, em frente, e por baixo do altar, para que seja incentivo à unidade com o sucessor de Pedro”. É interessante que, com este gesto concreto por parte da Santa Sé, estas afirmações ganham agora um outro relevo. Que lhe parece?
Mons. Luciano Guerra - A ideia da pedra do Sepulcro de S. Pedro é devida por inteiro ao nosso caríssimo amigo, que o Senhor já levou, o P. Droszdek, então Reitor do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, de Zakopane, Polónia. Ao ver que a ideia era viável - pela amizade que unia o Padre Droszdek ao Santo Padre e ao seu Secretário, o actual Cardeal-Arcebispo de Cracóvia - abracei-a com todo o coração, e não descansei, enquanto não encontrámos para a pedra o digníssimo lugar onde acabou por ser colocada. Porquê o interesse pela pedra do Sepulcro de S. Pedro, o primeiro Papa? Pela muito estreita relação que o Segredo de Fátima estabelece com a Igreja. A Igreja, no conjunto dos seus membros, com o Santo Padre e os bispos à frente, aparece aí como a instituição destinada por Deus a reconduzir a “Rússia”, e o mundo comunista, à liberdade religiosa. Acredito que, mais do que todos, o Papa João Paulo II, e também depois dele o seu Sucessor, terão recebido de Deus alguma luz especial para conduzirem o ingente processo, ainda em curso, sabe Deus por quanto tempo, da intrigante “conversão da Rússia”.
3 - O que passa a significar agora aquela pedra colocada no altar da Basílica da Santíssima Trindade?
Mons. Luciano Guerra - Aquela pedra, naquele lugar, é uma pura afirmação de fé, que nunca teve, nem de longe, o desejo de ser razão para o título de basílica. Pretende, isso sim, recordar aos peregrinos que a Igreja, santa na sua Cabeça e pecadora nos seus membros, por isso olhada com desconfiança por muitos deles, merece ainda hoje o amor que lhe consagraram Pedro e os restantes Apóstolos, cujos nomes são celebrados sobre as doze portas laterais.
4 - Antevê uma maior responsabilidade por parte dos atuais responsáveis pelo Santuário por esta elevação a basílica?
Tudo o que vem de Deus é graça, e toda a graça pede a nossa colaboração. A primeira responsabilidade do Santuário é o acolhimento, no estudo, na oração e na acção, da mensagem que Deus houve por bem confiar-nos, pelas palavras e gestos do Anjo e de Maria. O resto virá por acréscimo.
5 - A promoção do culto da Santíssima Trindade ganhará agora novo fôlego em Fátima?
Mon. Luciano Guerra - A intenção de pôr em relevo a Santíssima Trindade, num espaço tão importante, não foi um acaso. Foi por um lado uma “sugestão”, ou uma exigência, da mensagem de Fátima; e por outro, a coincidência desta mensagem com a devoção trinitária que o Papa João Paulo II manifestara em várias encíclicas, e no luminoso ápice que foi o lançamento do seu grande programa pastoral, por ocasião do Jubileu do Ano 2000.
Muito intrigados por a Providência ter querido que as aparições do Anjo precedessem, silenciosamente, as de Nossa Senhora, e mais tarde se revelassem como um Pentecostes de misticismo, interioridade e adoração, pareceu- nos que o momento era chegado para um instante convite aos peregrinos, no sentido de se entregarem ao mistério último e mais profundo de Deus.
Só Ele sabe qual a repercussão que reserva para esta nova concentração da Igreja no mistério da Santíssima Trindade, onde aliás a mesma Igreja mergulhou, ia a dizer exaustivamente, durante os cinco primeiros séculos da sua história. Só Deus sabe também que lugar está reservado à graça de Fátima, no esforço da Nova Evangelização, que oxalá possa ter como seu eixo principal - Alfa e Ómega - a Santíssima Trindade. Bela coincidência para as celebrações do Centenário.
Boletim Informativo do Santuário de Fátima 76/2012, de 12 de agosto de 2012