Em meados do século XX, depois de 450 anos de perseguição
contra os católicos, a Suécia encetou a abertura religiosa. Em 1982, deixou de
ser excepção e estabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano. Note-se que o
Vaticano tem presença diplomática em praticamente todo o mundo, inclusivamente uma
presença mais vasta que a da própria União Europeia.
Em Junho de 1989, o Papa João Paulo II deslocou-se à
Escandinávia para visitar a pequenina comunidade de católicos que esfregava as
mãos de frio naquelas paragens. A recepção foi muito familiar, no sentido mais
aconchegado que se possa imaginar. No final, os meus conhecidos suecos mandavam-me
notícias intimistas: estive com o Papa e contei-lhe …e ele respondeu... à
tarde, voltei a estar com o Papa, que me lembrou...
Esta semana, passados quase trinta anos, o Papa Francisco desembarcou
numa Suécia diferente. Antes de partir, foi à basílica de Santa Maria Maior
pedir a Nossa Senhora que a visita apostólica corresse bem e, à chegada a Roma,
correu a Santa Maria Maior com um grande ramo de flores, para agradecer. Porque
não podia deixar de agradecer, de todo o coração, aquela experiência.
Quando João Paulo II visitou a Suécia, muita gente reagiu
como se tivesse desembarcado o invasor. O fundador da «Livets Ord» (Palavra da
Vida) de Uppsala, uma das comunidades protestantes mais numerosas da Suécia,
ligada a uma escola bíblica muito forte, com sucursais em bastantes países, organizou
jornadas de desagravo e de protesto contra a invasão.
Surpreendentemente, o Papa João Paulo II não contra-atacou:
«Perdoarmo-nos uns aos outros (católicos e luteranos) é um desafio, mas é o
próprio Senhor que nos mandou reconciliarmo-nos». Foi mesmo concreto a
responder a perguntas como «que podemos aprender uns dos outros? Como é que nos
podemos enriquecer mutuamente?». Os luteranos suecos estavam preparados para a
invasão, mas não tinham feito nenhum plano para a não-invasão, de modo que o
vírus do catolicismo entrou pelas traseiras da ideologia.
Afinal, que aspectos positivos havia na ruptura luterana?
Francisco deu exemplos: Lutero meteu a Bíblia nas mãos do povo; as comunidades
luteranas defendem um papel muito activo para os leigos…
O Concílio Vaticano II não só nos ensinou a aprender com os
elementos positivos como nos ajudou a perceber que este é o caminho para trazer
de volta as ovelhas desgarradas. Por exemplo, a maior mudança introduzida pela
reforma litúrgica do Concílio foi o alargamento das leituras da Missa a quase
toda a Bíblia, quando antes só se liam poucos textos e praticamente o único
Evangelho usado na liturgia era o de S. Mateus. Outro exemplo, é a afirmação
rotunda de que todos são chamados à santidade e a anunciar a Boa-Nova.
Santo Padre com Ulif e Brigitta Ekman em abril de 2014 |
Os responsáveis luteranos que acolheram Francisco já não estiveram
à defesa, como há três décadas. Agora, rezaram fervorosamente, com os seus
concidadãos católicos e o Papa, para que Deus abrisse os corações e restaurasse
a unidade da Igreja, tanto desejada por Cristo.
Outro dos elementos positivos das comunidades luteranas, sublinhado pelo
Papa, é a participação social da mulher. É necessário que elas sejam muito
activas e presentes na Igreja, como Nossa Senhora, e que as mulheres e todos os
leigos compreendam em que medida são um povo sacerdotal, como S. Josemaria
Escrivá insistia tanto. Isso resolve a questão das «sacerdotisas», que não
correspondem ao plano de Deus, como o Papa Francisco deixou bem claro na Suécia.
Quando os suecos perceberem que as suas sacerdotisas correspondem às conferencistas
e às professoras de teologia da Igreja Católica, talvez desistam de lhes chamar
sacerdotisas e talvez compreendam o que é o sacerdócio ministerial. A diferença
entre uma «sacerdotisa» e uma católica empenhada e inteiramente fiel à doutrina
católica pode ser muito menos do que pensamos. Assim saibamos aprender uns com
os outros.
José Maria C.S. André
Spe Deus
6-XI-2016