Tiago Teles de Abreu Tarré*
Estamos nos primeiros dias do Ano da Fé. Bento XVI espera que, neste ano, “todos os fiéis compreendam mais profundamente que o fundamento da fé cristã é o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte”. No entanto, «dentro» da Igreja há quem queira deliberadamente recusar este encontro. O leitor pode ficar perplexo. Mas parece ser mesmo assim. Um grupo muito restrito e auto-denominado por Nós Somos Igreja, tem ultimamente aparecido em público afirmar ser aquilo que acredita não ser.
O seu manifesto centra-se na visão pretensamente progressista do alargamento do Sacramento da Ordem às mulheres. Claro que também subscrevem outras reformas. Umas que não chegam a ser, porque na verdade sempre fizeram parte da missão da Igreja. É o caso do empenho na defesa dos direitos da pessoa, da promoção da paz, da justiça. Outras que são de facto novidade, como sejam, a mudança ao nível da moral sexual da Igreja e ao nível da estrutura e organização internas da Igreja. De qualquer forma, o que o Nós Somos Igreja realmente quer é uma Igreja que ordene mulheres.
Está claro que podemos discutir em tese todos os temas que entendermos. Desde a Imaculada Conceição de Maria à sua gloriosa Assunção aos Céus em corpo e alma, passando até pela própria Ressurreição de Cristo – tudo é passível de ser debatido. Mas a adesão plena à Igreja implica uma fé humilde, implica um “sim” ao estilo da Mãe de Deus. Para pertencer à Igreja, não basta receber o Baptismo. É preciso aceitar dizer um “sim”, sem reservas nem excepções, ao Credo, aos Sacramentos e à Igreja, que é governada por Cristo através do Papa e dos Bispos (cf. Lumen Gentium, 14).
A questão da ordenação sacerdotal de mulheres ganhou especial relevância no séc. XX. No Ocidente, num ambiente marcado pelos movimentos femininistas, começou então a equacionar-se se as boas mudanças que se verificavam na sociedade poderiam estender-se também à Igreja. Se as mulheres passavam a ter acesso aos mesmo direitos, responsabilidades e profissões que os homens, por que não acederem ao sacerdócio? Ainda que ser Padre, Bispo ou Papa, não constitua propriamente um direito ao exercício de uma profissão, mas uma resposta a um chamamento que vem de Deus, a Igreja quis reflectir sobre a temática que nesse tempo se colocava.
O Papa Paulo VI encarregou a Congregação para a Doutrina da Fé de analisar o assunto e, em 1976, aprovou a Declaração Inter Insigniores. Nesta pode ler-se que “a Igreja, por um motivo de fidelidade ao exemplo do seu Senhor, não se considera autorizada a admitir as mulheres à Ordenação sacerdotal”. De uma forma sumária, são três as grandes razões que sustentam esta conclusão: a atitude de Cristo, a prática dos Apóstolos e a Tradição. É importante notar que Jesus escolheu os Doze Apóstolos conforme quis (cf. Mc 3, 13). E “se Ele agia desse modo, não era para se conformar com os usos da época, porque a atitude de Jesus em relação às mulheres contrasta singularmente com aquela que existia no seu meio ambiente e assinala uma ruptura voluntária e corajosa” (vd. Inter Insigniores, 2). Contrariamente à linha de pensamento do Nós Somos Igreja, na Igreja que vivemos não há, nem nunca houve, nenhuma lógica de inferioridade da mulher. “A Igreja é um corpo diferenciado, onde cada um tem a sua função; as funções são distintas e não devem ser confundidas, como não dão azo à superioridade de uns sobre os outros […]. Os maiores no Reino dos Céus não são os ministros, mas sim os santos” (vd. ibid., 6). E no que toca à santidade, embora não existam estatísticas oficiais, a percepção que temos é que as mulheres superam largamente os homens…
Apesar da clareza impressa neste documento, nos anos que se seguiram à sua publicação, prosseguiu-se o debate acerca deste tema em certos meios intelectuais. Acaba por ser João Paulo II, através da Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, que, em 1994, coloca um ponto final na questão. “Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja” (vd. Ordinatio Sacerdotalis, 4).
Para os católicos, estas palavras são significativas por dois motivos. Primeiro, porque não são escritas pela mão de Karol Wojtyla, mas pela mão do 263.º sucessor de S. Pedro e do 264.º vigário de Cristo na Terra. Segundo, e como esclareceu em 1995 o então Cardeal Ratzinger, estas palavras são infalíveis, definitivas, irrevogáveis e pertencem ao depósito da fé.
A Igreja, que somos todos e cada um de nós, não anda ao sabor de modas, conveniências ou apetites. Ser Igreja é amar incondicionalmente a Cristo, que é “a cabeça do Corpo que é a Igreja” (Cl 1, 18). Ser Igreja implica decidir livremente abandonar a nossa opinião pessoal e, carregando a nossa cruz, estar disponível para O seguir sempre e em qualquer parte.
A Igreja que somos é, e sempre será, una, santa, católica e apostólica. Pois é Cristo, através do Espírito Santo, que assim o quer (cf. CIC, n. 811).
* Gestor e Docente Universitário