Próximos do próximo
A vítima dos ladrões
Sou um judeu natural de Jerusalém mas, no exercício da minha actividade desloco-me a várias povoações de Israel, nomeadamente Jericó.
O que faço?
Bem… sou um cobrador de impostos, o que chamam depreciativamente: um Publicano.
Não tenho muitos amigos… na verdade… não tenho sequer alguém a quem possa chamar:
AMIGO!
A princípio incomodava-me muito a forma suspeitosa e, até, o desprezo com que me tratam e, tenho de reconhecer, que um cobrador de impostos – sobretudo quando os impostos são cobrados em nome do invasor da nossa Pátria – não pode esperar outra coisa dos seus conterrâneos. Mas… é a minha vida… que hei-de eu fazer!
Acordei hoje manhã, já um pouco tarde, numa estalagem.
Levei algum tempo a lembrar-me de quanto acontecera na véspera.
Como que em cenas pouco nítidas vi-me no caminho de Jericó para Jerusalém com os alforges da minha montada, carregados com o produto da cobrança. Sou assaltado por uns meliantes – três, parece-me – e tentai defender-me como pude, só que eles não me deram tréguas e, talvez por se aperceberem quem eu era, atacaram-me com tal violência que fiquei prostrado no caminho.
Não sei quanto tempo ali fiquei inconsciente e cheio de dores dos golpes sofridos.
Lembro-me vagamente de alguém que se aproximou de mim e me prestou assistência, tratou como pode as minhas numerosas feridas deitando-lhes azeite e vinho.
Nisto, o estalajadeiro aparece no meu quarto e pergunta-me como me sinto.
Fico a olhar para ele.
Como se percebesse da minha confusão conta-me o que aconteceu, como tinha chegado na noite anterior trazido por um Samaritano – o mesmo que me encontrara prostrado no caminho – que tratara de mim e me instalara na cama.
Tinha partido há pouco mas dissera que voltaria passados dois dias.
Na minha surpresa, perguntei:
‘Mas tens a certeza que era um Samaritano?’
Compreendo a tua surpresa pois, na verdade, também eu fiquei atónito.
Disse-lhe:
‘Eu sou um Publicano e fui roubado e espoliado de quanto trazia, não sei como vou pagar-te a minha estadia.’
‘Não te preocupes com isso – responde-me – o teu “salvador” deixou-me dinheiro para cuidar de ti e até me disse que se o que me deixou não fosse suficiente no seu regresso me pagaria o que faltasse.’
Quando o estalajadeiro saiu do meu quarto não pude deixar de pensar no estranho e insólito e toda a situação. Como era possível? Um Samaritano e um Judeu, ainda por cima, Publicano?
Na minha vida tenho cometido alguns – talvez bastantes – erros. Sobretudo abusos nas cobranças aproveitando-me das circunstâncias para guardar para mim uma boa parte. Isto nunca me incomodou… afinal é o que fazem todos os Publicanos!
Bem sei que há pouco tempo atrás, um colega, nos surpreendera a todos quando resolvera abandonar a profissão que exercia precisamente em Jericó e devolver aos lesados o quádruplo do que se apropriara e, como se não bastasse, oferecera aos pobres metade do que possuía. Aliás circulava uma história sobre um encontro com um tal Jesus da Galileia a quem oferecera um banquete depois do que passou a fazer parte do grupo dos que o seguiam por todo o lado.
Mas, confesso, não dei muita importância ao assunto.
Agora, porém, parece que um incómodo estranho está a revirar-me as entranhas e começo a pensar que logo que possível tenho de encontrar-me com ele para que me conte quanto aconteceu.
Conheço-o bem e, se ele, tomou tais decisões é porque algo muito especial aconteceu e, conhecendo-o como conheço, só posso concluir que terá escolhido uma vida muitíssimo melhor que a que tinha antes.
Estando assim decidido, parece que as dores no meu corpo abrandaram e voltei a adormecer.
[i] Lc 10, 25-27
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.
São Josemaria recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.