Os portugueses gostam mesmo de política. No meio de uma crise terrível perdem tempo a discutir medidas, ministros, partidos, como se só Governo e Parlamento tivessem culpas e soluções. Distraídos com debates espúrios, perdem a realidade debaixo do nariz.
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Nos primeiros 20 anos após 1974 os portugueses tomaram uma posição responsável, prudente, comprometida, temerosa mas decidida. A vida era muito pior que hoje, os perigos grandes e as tarefas exigentes. Era preciso construir uma democracia sólida e cumprir os requisitos comunitários. Mostrámo-nos à altura dos dois desafios. No meio de turbulência e perigos, o país foi coeso, diligente e criativo, como raramente fora. Foi um sucesso espantoso.
O sucesso inverteu a atitude. Na terceira década, pouco a pouco, o país foi-se acomodando. Cada um exigia direitos, esquecendo deveres. Dominava a mentalidade instalada, reivindicativa, exigente. A União Europeia passou de desafio a mecenas. Nenhum país se desenvolve assim. Não admira a "década perdida" desde 2002.
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Em 2011 felizmente tudo mudou. Os empréstimos acabaram e foi preciso ter juízo. Reaprendemos então o que sempre soubéramos, mas estivera escondido por 17 anos de ilusões. Famílias e empresas retomam velhos hábitos de poupança, economia, imaginação e modéstia. Reatam-se laços de solidariedade, familiares, empresariais, comunitários, que uma confiança exagerada na assistência pública tinha enfraquecido.
O Estado teve de recuar da posição de mamã, obsessiva e omnipresente, para as funções de legislador, regulador, governo. Pessoas e empresas percebem que não vale a pena pedir ajuda às autoridades, ainda mais aflitas que elas. A todos os níveis perde-se a atitude parasitária e pedincha, regressando à saudável autonomia, iniciativa e autoconfiança indispensáveis no actual mundo global. Assim Portugal vencerá os desafios.
É difícil mudar hábitos de 17 anos. Os protestos são o último estertor da antiga mentalidade. Muitos sentem-se mesmo indignados por o Estado tirar o que nunca pôde pagar. Até acreditam que outros ministros fariam diferente.
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João César das Neves in DN online (artigo completo AQUI)