Tinha estado a rezar intensamente, pedindo a Deus que lhe desse compreensão para tantas coisas que aconteciam no mundo, e que ele não conseguia perceber.
Eram cataclismos, violências, guerras, ódios, crimes, enfim um nunca parar de coisas horrendas, pelas quais ele como tantos outros, perguntava amargurado:
- Meu Deus porquê? Porque permites tais coisas? Porque as deixas acontecer?
Deus respondeu-lhe então, numa voz muito audível ao seu coração, perguntando-lhe:
- Acreditas que eu fui o teu criador e o criador do mundo? E se acreditas nisso, acreditas que te criei em liberdade para que tu escolhas o teu caminho e a vida que queres viver?
Humildemente, baixou a cabeça e respondeu:
- Sim Senhor, acredito!
Foi então que se sentiu transportado para aquela varanda, podia chamar-lhe a “varanda de Deus”, porque tinha vista ao mesmo tempo sobre todo o mundo.
Deus disse-lhe suavemente, com a voz repassada de tristeza:
- Fica aqui por uns momentos, tantos quantos queiras, e vai reparando no que se passa no mundo, para que obtenhas respostas ao que me perguntaste.
Deixou-se então ali ficar, e começou a olhar, vendo o que se passava no mundo.
Era tudo tão nítido, tão perto, tão real, que tudo o que via o deixava verdadeiramente estupefacto, envergonhado, esmagado de tristeza.
Para todos os lados da terra para onde olhasse via homens a testarem armas, a prepararem-se para a guerra, a provocarem ódios e inimizades, e seguidamente a matarem-se “metodicamente” em batalhas que a nada levavam.
Via a homens a odiarem-se, a prepararem vinganças, a ofenderem-se, ferirem-se, a matarem-se, pelos motivos mais fúteis.
Via homens a exercerem violências inauditas sobre mulheres, sobre crianças, os mais fortes a dominarem os mais fracos.
Via gente cheia de tudo, gente a quem nada faltava e tudo sobrava, e mesmo ao lado gente faminta, nua, gente sem esperança.
Reparou em tantos homens e tantas mulheres, envolvidas em orgias de prazer mundano, depois reflectidas em profundas depressões.
Percebeu envergonhado na imensidade de grávidas que matavam os seus filhos no seu próprio ventre.
Via por todo o lado os homens de costas voltadas, os miseráveis pelo chão e ninguém se incomodar com eles.
Viu ainda tanta gente que andava pelo mundo á espera de uma palavra, de um sorriso, de um conforto, mas que afinal eram “transparentes”, aos olhos daqueles que por eles passavam.
Percebeu também, no meio de todo este horror, algumas ilhas de bondade, de uns poucos, no meio de tantos, que se preocupavam com tudo e queriam o bem de todos.
Não quis ver mais, porque a visão de tudo era insuportável aos seus olhos, ao seu coração, até porque sentia que também fazia parte de tudo aquilo.
Deus olhou para ele, com aqueles olhos imensos de amor eterno e perguntou-lhe:
- Não são todos criaturas minhas? Em alguma coisa os distingui entre os que fazem o bem e os que fazem o mal? Não são todos livres de fazerem a sua própria vontade?
Numa voz sumida e envergonhada apenas respondeu:
- Sim, Senhor.
Serenamente, Deus disse-lhe:
- Então que queres que Eu faça? Que lhes retire a liberdade? Que os obrigue a fazer a minha vontade? Para que lhes serve então a inteligência e a consciência que lhes dei?
Sem saber o que dizer, apenas abanava a cabeça, sem levantar os olhos para Deus.
Deus continuou:
- Se uns usam a liberdade que lhes dei para fazerem o bem, porque é que os outros não o fazem também?
Que têm feito os homens do mundo que lhes dei?
Não vês a destruição da natureza, da beleza da criação?
É vontade minha, por acaso?
Mas ele nada conseguia dizer, porque nada havia que protestar, ou contestar.
Deus disse-lhe então:
- Foi-te dado ver o que os homens fazem da liberdade que lhes dei. Foi-te dado perceber que uns a utilizam para o bem e outros para o mal.
Abre o meu Livro e perceberás que desde sempre peço ao homem para fazer a minha vontade, pois só assim encontrará a felicidade.
Até dei ao homem o Meu próprio Filho, para que lhe revelasse a minha vontade, mas torturaram-no e mataram-no!
Ressuscitou ao terceiro dia e deu provas da Sua Ressurreição e mesmo assim não acreditaram, não acreditam.
Ao longo dos tempos, e hoje ainda, sempre houve homens e mulheres testemunhas do bem e do amor, que viveram segundo a minha vontade, e também esses desprezaram e ainda desprezam, alguns até mataram e ainda matam.
Não sei castigar, apenas sei amar!
Que queres tu que Eu faça?
Humildemente, de cabeça baixa, disse:
- Que tenhas compaixão, Senhor!
Que continues a amar-nos com o Teu eterno amor!
Que nos perdoes quando Te perguntamos porque acontece isto ou aquilo, sabendo nós que a culpa é apenas nossa, é apenas da forma como usamos a liberdade que Tu mesmo nos deste.
E suscita, Senhor, mais homens e mulheres que levem a Tua Palavra, que falem da Tua vontade e que dêem testemunho da alegria e da felicidade que é a vida em Ti, conTigo e para Ti.
Deus abraçou-o então, e disse:
- Vai em paz meu filho. Uma coisa podes tu ter a certeza: faça o homem o que fizer, o meu amor por ele permanece inalterado, e os meus braços estarão sempre abertos para o receber.
A liberdade sempre a terá, porque essa é a prova mais pura do meu amor por ele.
Abriu os olhos, olhou em redor, e calmamente com uma grande paz no seu coração, deu graças a Deus.
Monte Real, 12 de Dezembro de 2010
Joaquim Mexia Alves
http://queeaverdade.blogspot.com/2010/12/varanda-de-deus.html