Numa homilia de Abril, o Papa
falou de lutar com Deus até O conseguir vencer. Não é pouco atrevimento,
desafiar Deus para um braço de ferro, mas jogando limpo é possível ganhar. Evidentemente,
é escusado tentar enganar Nosso Senhor.
Como o tempo da Páscoa é de
alegria, a primeira leitura da Missa de terça-feira passada só contou a parte
boa da história. Barnabé, um cipriota de linhagem sacerdotal, antes de levar o
Evangelho por todo o mundo, começou por vender o campo e depositar o dinheiro
aos pés dos Apóstolos (Actos 4, 37). A página seguinte não se leu, porque é
pouco Pascal: O casal Ananias e Safira vendeu uma propriedade, guardou algum
dinheiro e pôs o resto aos pés dos Apóstolos. Pedro interveio imediatamente:
«Ananias, como é que Satanás se apossou do teu coração, para que mentisses ao
Espírito Santo e retivesses parte do preço do campo? Não é verdade que,
conservando-o sem vender, era teu e, mesmo depois de vendido, o dinheiro era
teu? Por que motivo puseste em teu coração fazer tal coisa? Não mentiste aos
homens mas a Deus». Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu fulminado e morreu.
Passadas três horas, chegou Safira, Pedro repete a censura e Safira cai morta no
chão à frente de todos.
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Audiência geral 09.01.2019 |
Enfim, batota não dá. Mas uma
certa veemência funciona, como exemplificou o Papa na homilia. Um dia, o povo
de Israel portou-se tão mal que Nosso Senhor disse a Moisés: «Agora, deixa-me;
a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-los». Moisés, que sentia a
responsabilidade do povo, começa o braço de ferro: «Porquê, Senhor, a vossa
cólera se inflamará contra o vosso povo, que fizestes sair do Egipto com tão
grande poder e com mão tão poderosa? Não convém que se possa dizer no Egipto: “Foi
com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e
suprimi-los da face da Terra!”». Moisés, explicou o Papa, tenta persuadir Deus,
com mansidão, mas também com firmeza: «Recordai-Vos de Abraão, de Isaac e de
Israel, vossos servos, aos quais juraste por Vós mesmo: “tornarei a vossa
descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa
posteridade esta terra de que falei”».
Moisés vence em toda a linha.
Ainda na sua ira, o Senhor promete a Moisés: «Farei de ti uma grande nação».
Mas o Papa descreve a reacção de Moisés: «Não, ou com o povo ou nada. Se fizerdes
morrer este povo, matais-me também a mim». Deus não resistiu mais.
O Papa recordou outros exemplos tirados
da Bíblia: o de Abrão, quando o Senhor lhe diz que destruirá Sodoma. Abrão tinha
lá um sobrinho e queria salvá-lo. Começa outro braço de ferro. Abraão a
regatear, como uma dona de casa no mercado: «Mas, Senhor, espera um pouco, se houver
lá 40 justos... se houver 40 justos, não destruirei». Infelizmente, não havia. «Desculpai-me
Senhor, e se houver 30 justos?». «Não destruirei». «E se houver 20, se...». Afinal,
só a família do sobrinho era justa e, negociando na oração, Abrão consegue
salvá-lo.
O Papa lembrou Ana, a mãe de
Samuel que balbuciava em voz baixa a sua oração, insistindo teimosamente, a
rezar, a rezar, a rezar. O sacerdote que a via mover os lábios em silêncio
pensou que estivesse bêbada. Pelo contrário! Ana vence o braço de ferro e obtém
de Deus o que queria. Outra mulher corajosa é a cananeia do Evangelho, que não desarma.
Jesus diz-lhe «Não se pode tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cãezinhos». Nem
assim desanima: «Também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos
seus donos». E consegue que Jesus faça o milagre.
O Papa Francisco sintetizou os
exemplos dizendo que «é preciso coragem, aquela “parrêsia”, aquele desassombro
de falar cara a cara com Deus. (...) Podemos pensar que é um braço de ferro com
Deus (...). A verdadeira oração é com coragem, com muita coragem».
«Como sei que o Senhor me ouve?
Temos uma segurança: Jesus. Ele é o grande intercessor. Ele subiu ao Céu, está
diante do Pai a interceder por nós. Ele intercede continuamente na oração.
Antes da Paixão, tinha dito a Pedro: “Pedro, Pedro, rezarei por ti, para que a
tua fé não desfaleça”. Eis a intercessão de Jesus, que reza por nós, neste
momento. E quando rezo, tentando convencer Deus, ou negociando, ou balbuciando,
ou debatendo com Nosso Senhor, é Ele quem recolhe a minha prece e a apresenta
ao Pai».
José Maria C.S. André