Paradoxo pós-moderno: há liberdade total para chocar e escandalizar, mas não se dê a ninguém o direito a sentir-se ofendido pelas atitudes indignas.
A imaginação mais prodigiosa não logra adivinhar os extremos a que são capazes de chegar alguns energúmenos pós-modernos, mas a No Pants Subway Ride pode dar uma ideia. Trata-se de uma iniciativa em que muitos nova-iorquinos participam todos os anos e que consiste, como o seu próprio nome indica, em viajar de metro sem calças! Também este ano, segundo a agência Efe, várias centenas de habitantes de Nova Iorque andaram de metro em trajos menores, no passado dia 9 de Janeiro.
Segundo a plataforma Improv Everywhere, “o objectivo não é ofender, mas sim ‘fazer rir os demais’ e divertir”. Costuma dizer-se que uma desculpa não pedida é uma acusação manifesta. Ou seja, se a própria organização diz que esta iniciativa não tem nenhuma finalidade ofensiva é porque de facto a tem, como é óbvio.
É curioso que, na sociedade pós-moderna, quase não se possa andar de hábito religioso na rua, mas se possa andar no metro com a roupa interior à mostra … O crucifixo ao peito, ou o véu islâmico, ofendem a laicidade do Estado, mas os trajos menores não só não insultam a religiosidade de ninguém, como também não ofendem a decência de quem ainda a tem! Paradoxo pós-moderno: há liberdade total para chocar e escandalizar, mas não se dê a ninguém o direito a sentir-se ofendido pelas atitudes indignas.
Qualquer dia, esta ou outra arrojada instituição reedita esta iniciativa mas sem qualquer roupa e os cidadãos terão que aceitar que o espaço público seja invadido por este tipo de aventesmas, sem ripostar, pois qualquer atitude de reprovação é, a priori, tida por reacionária, intolerante e fundamentalista. A decadência da civilização ocidental no seu melhor, ou seja, no seu pior.
“Os organizadores instaram os participantes a atuarem normalmente, como se não se conhecessem e responderem, caso alguém os interpelasse, que se trata de ‘uma coincidência’ ou que ‘se esqueceram das calças em casa’”. Portanto, para além de fazerem uma triste figura, são também convidados a mentir. A uma pergunta tão estúpida, como seria a de indagar a razão do despropósito, nada melhor do que uma resposta não menos imbecil, como a que generosamente propõe a organização, para o caso dos próprios não saberem o que dizer, como convém à imbecilidade de quem adere a uma tão estupidificante iniciativa.
Mas há mais: “’Queremos dar aos nova-iorquinos uma razão para levantarem os olhos dos papéis e dos ecrãs dos telemóveis e experimentarem algo diferente na sua rotina diária’, referiu uma das organizadoras, Jesse Good, em declarações aos meios de comunicação locais”. De facto, é muito provável que a roupa interior dos outros passageiros seja um importante motivo para deixar para outra ocasião a leitura das notícias ou de um livro.
“No final da viagem, que terminou em Union Square, os participantes foram convidados a celebrar a iniciativa bebendo um copo num bar da zona, onde o único requisito para entrar era ‘não usar calças’”. É provável que a bebida, alcoólica de preferência, ajude a remediar a constipação provocada pela escassez de vestuário e, ao mesmo tempo, apagar da memória a degradante experiência. Como no caso do bêbado, que bebia para esquecer… que era bêbado.
Como a estupidez não é atributo exclusivo de nenhum povo, esta acção, que se realizou pela primeira vez em 2002 em Nova Iorque, “estendeu-se a várias cidades de todo o mundo, como Londres, Praga, Berlim, Varsóvia e Milão, entre outras”. Todas elas, ao que consta, se uniram, no passado dia 9, à 16ª edição da ‘No Pants Subway Ride’”. Segundo a mesma fonte, “a iniciativa chegou a realizar-se em Lisboa e no Porto” mas, como pelos vistos não se repetiu, não deve ter tido êxito, o que muito honra, respectivamente, alfacinhas e tripeiros, e todos os portugueses em geral.
Talvez este caso bizarro não seja mais do que uma excentricidade de mau gosto, sem maior importância. Mas pode ser também um sintoma da decadência a que chegou a sociedade pós-moderna desde que se divorciou da sua matriz cristã. O primeiro ensinamento bíblico é a criação do homem à imagem e semelhança de Deus. Sem consciência da sua identidade, o ser humano mais não é do que mais um animal. Na verdade, tão ridículo é um cãozinho com calças, como um homem sem elas.
São João Maria Vianney, o santo cura de Ars, dizia: “Deixai uma paróquia vinte anos sem padre e lá os homens adorarão os animais”. A No Pants Subway Ride prova isso mesmo: onde se perde a noção cristã da excelência humana, extingue-se também a mais elementar consciência da própria dignidade.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador AQUI
(seleção imagem 'Spe Deus')