Nesta semana (2016), em Tbilisi, na
Georgia, o Papa Francisco voltou a dizer que há uma guerra mundial para
destruir a família: «Não é com as armas, mas com as ideias. É uma colonização
ideológica». E apontou o dedo: «um dos grandes inimigos [da humanidade e da
família] é a teoria do género».
A notícia não é nova, mas é
grave. De repente, lembrei-me de outro contexto.
A poucos dias de a Prússia e a
Áustria sucumbirem na Primeira Guerra Mundial, o comentarista Karl Kraus descrevia
a gravidade do momento: «Em Berlim, a situação é séria mas não é desesperada;
em Viena é desesperada mas não é séria». As duquesas e os duques de Viena continuavam
a frequentar os salões, a população discutia ópera e culinária, os soldados
morriam na frente de batalha e, em poucos dias, o império Austro-húngaro
capitulava e desaparecia para sempre. A Áustria ria-se muito com os trocadilhos
de Kraus, mas foi esta frase que alcançou maior ressonância mundial. Ainda hoje
se repete. Por exemplo, no filme «Situation hopeless – but not serious», uma
comédia hilariante situada na Segunda Guerra Mundial, com Alec Guinness no
papel principal.
Parece que muitos cristãos ainda
não repararam na luta mundial contra a família, situação que lembra uma máxima do
velho comunista, Leon Trotsky, que se costuma citar com a palavra «dialéctica»
substituída por «guerra»: «Você pode não estar interessado na guerra, mas a
guerra está interessada em si».
Os avisos do Papa Francisco
acerca da destruição da família não são novos.
O Papa João Paulo II
perspectivava toda a história do mundo actual como um combate muito concreto
contra a família. Convalescente pela segunda vez das balas de Ali Agca, explicava
o porquê do ataque «precisamente porque ameaçam a família, porque a atacam. O
Papa deve ser atacado, o Papa deve sofrer, para que todas as famílias e o mundo
inteiro vejam que há um Evangelho, por assim dizer, superior: o Evangelho do
sofrimento, com o qual é preciso construir o futuro, o terceiro milénio das
famílias, de cada família e de todas as famílias» (29 de Maio de 1994).
João Paulo II repetiu com
frequência o mesmo alerta de Francisco. Por exemplo, no livro «Memória e
Identidade», queixa-se «das fortes pressões do Parlamento Europeu para que as
uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma alternativa de família,
inclusivamente com o direito de adoptarem crianças. É lícito e até necessário
perguntarmo-nos se isto não é fruto de uma ideologia do mal, talvez mais subtil
e encoberta, que tenta servir-se dos direitos do homem contra o homem e contra
a família».
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Imagem não corresponde à ocasião relatada |
Há semanas, Francisco tinha
relatado aos jornalistas uma conversa recente com Bento XVI, em que os dois falavam
do mundo: exactamente o mesmo diagnóstico. Não é, aliás, a opinião recente de
nenhum deles. Descrevendo o panorama mundial à Cúria Romana, Bento XVI alongou-se
na descrição desta guerra, que classificou como «atentado contra a humanidade»:
«O homem nega a sua própria natureza. (...) A manipulação da natureza, que
deploramos hoje a respeito do meio ambiente, converteu-se na opção de fundo do
homem relativamente a si próprio». E mais adiante: «Na luta pela família está
em jogo o próprio homem. E torna-se evidente que onde Deus é negado, também se
dissolve a dignidade do homem. Quem
defende Deus, defende o homem» (21 de Dezembro de 2012).
Francisco considera que esta
guerra terrível, que ameaça o homem e a comunidade humana no seu mais íntimo,
não vai ser ganha por heróis valentes, mas pelo Deus misericordioso. Não vai
ser ganha conquistando terrenos, mas enchendo o mundo de felicidade. O adversário
não é um inimigo, mas justamente o amigo que se pretende salvar.
Uma guerra estranha, mas bem
concreta. Uma luta sem tréguas contra o próprio egoísmo. O heroísmo de dar a
vida pelos outros. Nada de aconchego e descanso.
Os Evangelhos registam a posição de Cristo: «Quem não
está comigo está contra Mim» (Mateus 12,30; Lucas 11,23), ou, como vem em S.
Marcos, «quem não está contra nós, está connosco» (Marcos 9,40).