Bento XVI afirma no novo volume da sua obra sobre «Jesus de Nazaré» que a política deve assumir a verdade como “categoria para a sua estrutura”, evitando a “mentira ideológica”.
“Não deve porventura haver critérios comuns que garantam verdadeiramente a justiça para todos, critérios esses subtraídos à arbitrariedade das opiniões mutáveis e à concentração do poder?”, questiona o Papa numa passagem da obra que a Agência ECCLESIA divulga hoje.
Partindo do relato que o Evangelho de São João faz do diálogo entre Jesus e o governador romano Pôncio Pilatos, Bento XVI coloca em confronto os termos “poder” e “verdade”, perguntando se a última pode ser “uma categoria política”.
“O domínio requer um poder; melhor, define-o. Jesus, pelo contrário, qualifica como essência da sua realeza o testemunho da verdade”, diz o Papa.
No capítulo dedicado ao «processo de Jesus», Bento XVI dedica uma longa reflexão à pergunta de Pilatos: «Que é a verdade?».
“Esta pergunta do pragmático, colocada superficialmente e com um certo cepticismo, é uma pergunta muito séria, na qual está efectivamente em jogo o destino da humanidade”, defende.
Para o Papa, “no mundo, verdade e opinião errada, verdade e mentira estão continuamente misturadas e são quase indissociáveis.
“A Verdade, em todas as suas grandeza e pureza, não aparece”, lamenta.
Bento XVI alerta para o “domínio do pragmatismo”, que “faz com que o poder dos fortes se torne o deus deste mundo”.
“Não é verdade que as grandes ditaduras existiram em virtude da mentira ideológica e que só a verdade pôde trazer a libertação?”, pergunta.
O Papa admite que um responsável político questione se “ deve deixar a verdade, enquanto dimensão inacessível, à subjectividade e, pelo contrário, esforçar-se por conseguir estabelecer a paz e a justiça com os instrumentos disponíveis no âmbito do poder”.
“Dado ser impossível um consenso sobre a verdade”, acrescenta, outros podem pensar que “a política, apostando nela”, se tornará “instrumento de certas tradições que, na realidade, não passam de formas de conservação do poder”.
Segundo Bento XVI, não foi apenas Pilatos quem pôs de parte a questão da verdade “como insolúvel e, para a sua função, impraticável”.
“Ainda hoje, tanto na política existente como na discussão acerca da formação do direito, a maioria sente aversão por ela”, precisa.
O Papa alude a uma “verdade funcional acerca do homem” que não revela “a verdade sobre ele mesmo - o que é, donde vem, para que existe, que é o bem ou o mal”.
Bento XVI cita Francis S. Collins, que dirigiu o «Projecto Genoma Humano», quando este afirmou que “a linguagem de Deus foi decifrada”.
“Sim, na grandiosa matemática da criação, que hoje podemos ler no código genético do homem, percebemos verdadeiramente a linguagem de Deus; mas não a linguagem inteira, infelizmente”, observa.
“Sem a verdade, o homem não se encontra a si mesmo; no fim de contas, abandona o campo aos mais fortes”, escreve ainda.
Nesse sentido, indica o texto de Joseph Ratzinger, “«Dar testemunho da verdade» significa pôr em realce Deus e a sua vontade face aos interesses do mundo e às suas potências”.
Em Jesus, prossegue, há uma “realeza da Verdade” e a “instauração desta realeza como verdadeira libertação do homem é o que interessa”.
A segunda parte de «Jesus de Nazaré» é lançada a 10 de Março, no Vaticano, em conferência de imprensa, com a presença do cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os bispos, e de Claudio Magris, escritor e germanista.
OC
(Fonte: site Agência Ecclesia)
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