A Igreja comemorou nestes dias (2018) os
50 anos da Encíclica «Humanae Vitae», publicada a 25 de Julho de 1968 pelo Papa
Paulo VI. O desastre que se seguiu estava anunciado, ninguém tinha ilusões,
muito menos o Papa.
Paulo VI publicara Encíclicas ao
ritmo de mais de uma por ano, desde o início do pontificado: «Ecclesiam Suam»
(1964), «Mense Maio» e «Mysterium Fidei» (1965), «Christi Matri Rosarii» (1966),
«Populorum Progressio» e «Sacerdotalis Caelibatus» (1967), até à «Humanae Vitae»
(25 de Julho de 1968). A partir desse momento, a contestação e a crise foram de
tal ordem, que Paulo VI não voltou a publicar nenhuma outra Encíclica até ao
fim do pontificado, 10 anos depois.
É normal os Papas pedirem ajuda para
a redacção das Encíclicas, aproveitando livremente os contributos que lhes
chegam. No final, trata-se de um documento papal e não importa quem sugeriu
esta ou aquela frase, nem é costume os colaboradores darem-se a conhecer. No
caso da «Humanae vitae», foi bem diferente: em vez de ajuda, Paulo VI recebeu traições.
O fogo de barragem da comunicação
social assustou muitos e mostrou como a voz da Igreja era pequenina face ao
poder dos seus opositores. Pior ainda, um grande número de padres e de bispos
não entenderam o que estava em causa. Aparentemente, a biologia, a bioquímica
prometiam à humanidade novos caminhos de felicidade, mais cómodos e seguros. Quem
os poderia rejeitar?
Paulo VI não se deixou enganar:
«a sociedade tecnológica consegue multiplicar as ocasiões de prazer, mas tem
grande dificuldade em gerar alegria» («Gaudete in Domino», 1975). A indústria
química fabricava prazer, mas estava a vendê-lo com publicidade enganosa. «Porque a alegria tem outra origem. É espiritual. O dinheiro, o conforto, a higiene, a segurança material
não faltam com frequência; contudo o tédio, a aflição, a tristeza formam infelizmente
parte da vida de muitos. Atinge-se às vezes a angústia e o desespero, que nem a
aparente despreocupação nem o frenesim do gozo presente ou os paraísos
artificiais conseguem evitar» (ibid.).
Paulo VI não tinha ilusões, como
escreveu na própria introdução: «É de prever que estes ensinamentos não sejam
acolhidos facilmente por todos». E comenta que sempre foi assim na história da
Igreja, que é, «à semelhança do seu divino Fundador, “sinal de contradição”»,
como dizia o profeta Simeão no Evangelho. Só que, desta vez, Paulo VI sabia que
ia ser muito mais grave que habitualmente.
A razão para, apesar disso,
afrontar a opinião dominante num ponto tão sensível foi simultaneamente clarividência
e generosidade. Como ele próprio escreveu na Encíclica, «ao defender a moral
conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está a contribuir para a
instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem
para que este não abdique da própria responsabilidade, para se submeter aos
meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges».
Aos poucos, a Igreja e sociedade
começaram a compreender o mal profundo que os métodos anticonceptivos causam ao
amor. A diferença, que alguns tardaram em captar, entre os métodos
anticonceptivos e uma vida de casal que tem em conta os períodos inférteis não está
em opor métodos «artificiais» e métodos «naturais». Paulo VI era declaradamente
a favor dos benefícios da técnica e dos progressos dos medicamentos e dos
aparelhos artificiais. O oposto de «natural» é «antinatural»; em princípio, o
«artificial» corresponde à natureza racional do homem; o perigo está no que é
«antinatural».
Paulo VI percebeu que a sua
missão de Papa o obrigava a avisar o mundo da diferença entre os métodos
anticonceptivos, que são antinaturais por contradizerem o amor, e o sentido de
oportunidade, que faz parte do amor. Muitos, só passados 50 anos começaram a
perceber a diferença.
Quase isolado, Paulo VI teve a generosidade de
cumprir, mesmo com grande sacrifício, o seu próprio lema de Papa: «In nomine
Domini» – em nome do Senhor. E, contra os ventos da época, foi fiel a Deus e
aos homens.
Foi a generosidade de Paulo VI (e o milagre realizado por sua intercessão) que
levou Francisco a decidir canonizá-lo no próximo dia 14 de Outubro de 2018, em
Roma.
José Maria C.S. André
28-VII-2018
Spe Deus