Fui à televisão uma vez na vida, há cerca de um ano. A repórter perguntou o que me preocupava mais no país e eu falei de uma coisa que tanto o líder da oposição com o chefe de governo têm falado: os portugueses que tiveram que ir lá para fora.
Depois da pressão toda desse dia, inlcuindo levar baile em direto do Jerónimo de Sousa, que o senhor tem muitos anos disto, há uma coisa que não esqueço. Recebi uma mensagem via Facebook. Um miúdo magrinho e despenteado, cujo perfil dizia viver em França. Ele escreveu-me: "Obrigado por teres falado sobre nós."
O caminho que a seleção nacional de futebol fez no Europeu foi importante para estas pessoas. Basta ver a reportagem da RTP sobre as centenas de quilómetros que os imigrantes fizeram a acompanhar a equipa e o modo como selecionador e capitão agradeceram repetidamente aos portugueses que vivem em França.
Independentemente do resultado que acontecesse ontem à noite, estas pessoas sentiram-se mais perto de casa por causa daquele grupo e daquele desporto. E isso é importante. Quem diria que a pátria podia caber num autocarro e ser tão grande ao mesmo tempo? Quem diria, mas aconteceu. Com um golo do Éder!
Fernando Santos podia ter falado nos jornais franceses que insultaram o seu trabalho, que escreveram "fim de carreira" para Ronaldo, podia ter falado num árbitro que deixou passar em branco uma tentativa de sabotagem do jogo com a lesão do melhor do mundo, podia ter falado no chauvinismo francês que acusou Renato Sanches de mentir na idade; o mesmo chauvinismo que apagou as luzes ontem à Torre Eiffel. No entanto, o sr. engenheiro não falou de nada disso.
"Em primeiro lugar e acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da minha vida (...) por último mas em primeiro, ir falar com o meu maior amigo e sua mãe. Dedicar-Lhe esta conquista e agradecer-Lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ela a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome". Leu de uma folha amachucada e escrita vários jogos antes porque, afinal, ele sempre disse que íamos ganhar.
O mister agradeceu à família, aos portugueses, ao presidente, aos amigos, aos colegas, aos jogadores e até ao povo grego, que lhe enviou várias mensagens de apoio. Aquela folha amachucada foi o melhor golo do campeonato, foi uma lição de gratidão e humildade. Para mim, foi dessa humildade que nasceram as nossas vitórias. De ir reconhecendo onde mudar, onde se errou, onde se pode melhorar. De ter a coragem de tentar, de ver audácia na esperança. Foi uma Fé num Portugal que acredite mais em Portugal e eu confesso que também tenho essa crença.
Como diz um querido amigo, foi uma noite de fé e de fézada. No tom bem-disposto e religioso do treinador - que disse que o seu pai havia de estar a sorrir "lá em cima e a beber umas cervejas" - espero que o Professor Marcelo decrete que o dia de São Patrício passe a feriado nacional.
Que o leitor me perdoe a beatice, mas a fé é tudo isto. Contra tudo e contra todos, dando a outra face, nunca atirando a primeira pedra, acreditar sem ter visto. A verdade é que nenhum de nós tinha visto - este é nosso primeiro título internacional, que há muito nos escapava - mas não esqueçamos que Fernando Santos acreditou, antes de todos nós vermos.
(À memória de Ricardo Neves)
Sebastião Bugalho
http://ionline.sapo.pt/artigo/516234/euro-16-felizes-os-que-acreditaram-sem-nunca-terem-visto-?seccao=Opiniao_i
Nota 'Spe Deus': Ricardo Neves em memória de quem Sebastião Bugalho dedica a crónica é um jovem sacerdote falecido há cerca de um ano com cancro e de quem neste momento ele está a ler um livro. Obrigado!
Nota 'Spe Deus': Ricardo Neves em memória de quem Sebastião Bugalho dedica a crónica é um jovem sacerdote falecido há cerca de um ano com cancro e de quem neste momento ele está a ler um livro. Obrigado!