Nestas vésperas da festa da
Imaculada Conceição de Maria, no próximo dia 8 de Dezembro, vale a pena
recordar o caminho percorrido.
O Papa Francisco diz que a
doutrina não muda, mas a Igreja progride na sua compreensão. Efectivamente, Jesus
ensinou que «todo o escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a
um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas» (Mt 13, 52). O
Concílio Vaticano II descreve esta dinâmica de fidelidade e descoberta dizendo que
«a Igreja é confortada pela força da graça de Deus (...) para que não se afaste
da perfeita fidelidade (...) e, sob a acção do Espírito Santo, não cesse de se
renovar» («Lumen gentium», 9). A graça concedida a Nossa Senhora é uma destas
descobertas: Imaculada, Auxiliadora, Medianeira, Mãe da Igreja!...
Não se inventou. Mais que
estabelecer uma doutrina nova, a Igreja compreendeu a necessidade de se embeber
na lógica de Deus, que exalta o que é pequeno, o que parece desprezível aos
olhos dos homens, para o tornar uma peça-chave da história da humanidade. A
colaboração de Maria na obra da redenção faz parte desta lógica divina. Ela não
é Deus, não tem a seu favor o título da omnipotência divina. A eficácia de
Maria vem da graça de Deus que multiplica infinitamente a pequenez humana e
torna operativa a vida dos que Lhe são fiéis. Maria amou sem reservas e Deus
fê-la rainha de todo o universo.
A doutrina da Imaculada Conceição
sintetiza duas verdades que a Igreja compreendeu cada vez melhor. A primeira é
que Nosso Senhor não Se deixa vencer em generosidade. A segunda é que a graça
transforma tão completamente os actos humanos que converte os gestos mais
simples em marcos históricos, enquanto o tempo desfaz em pó as epopeias vistosas.
Ir buscar água ao poço. Preparar
a refeição do marido e do Filho. Cantar com umas amigas à sombra de uma árvore.
Que há para dizer?
A vida de uma mulher simples,
numa pequena aldeia de um país da periferia do Império Romano, ergue-se acima
de todas proezas da humanidade, de todas as conquistas e lideranças. Maria, a
jovem rapariga de Nazaré, vale mais, para Deus, que todas as glórias da Terra.
Proclamar a Conceição Imaculada de Maria foi a forma de a Igreja manifestar a
Deus que tinha compreendido a mensagem.
Para acompanharem o Papa Pio IX
na definição do dogma, reuniram-se em Roma quase duzentos bispos.
Concretamente, 54 cardeais, 42 arcebispos e 98 bispos. Chegaram do outro lado
do Atlântico e das costas do Pacífico e das margens do Índico. Nunca se tinha
visto uma reunião internacional tão numerosa e representativa da terra inteira.
Antes, Pio IX consultara cada bispo do mundo e recebera respostas afirmativas
entusiasmadas. Um pequeno número de cartas perdeu-se no correio e um ou outro
bispo chamou a atenção para o perigo de alimentar equívocos em ambientes
protestantes. O bispo Achille Ratti, que viria a ser Papa com o nome de Pio XI,
foi um dos que alertou para esse perigo. Em face das respostas, Pio IX tomou a
decisão.
8 de Dezembro de 1854. O momento
da proclamação foi soleníssimo. Nas basílicas antigas, as pessoas não se
sentavam em bancos, mas apertavam-se em pé, de modo que, onde hoje cabem 30 mil
pessoas sentadas, poderiam estar naquele dia umas 60 mil. Pio IX contou que,
quando começou a ler o decreto, percebeu que não se faria ouvir no fundo da
basílica mas, ao chegar à definição do dogma, Deus deu-lhe uma tal energia que
a sua voz ecoou de uma ponta à outra. Ficou tão emocionado, que teve de
suspender a leitura, sem conseguir conter as lágrimas. O embaixador da França
relata que não foi só o Papa a emocionar-se e a derramar abundantes lágrimas.
No momento em que ele se calou, «a emoção conquistou toda a assembleia. Houve
um instante de interrupção e de silêncio que dizia mais que qualquer eloquência
imaginável. O Santo Padre elevou os olhos ao céu a pedir a força que lhe
faltava e recuperou pouco a pouco a sua voz sonora e harmoniosa que,
imediatamente a seguir, transportava à extremidade do edifício as suas palavras
sacramentais».
Os bispos de todo o mundo que
acompanharam o Papa na cerimónia de proclamação do dogma gravaram os seus nomes
em grandes letras maiúsculas na parede lateral da abside da basílica de S.
Pedro, com uma pequena introdução a recordar a Nossa Senhora o que tinham feito
naquele dia.
Pouco depois, a 25 de Março de
1858, Nossa Senhora apareceu em Lourdes, nos confins da França, dando-se a
conhecer como a Imaculada Conceição. Quem me dera ter o nome escrito naquela
parede da basílica de S. Pedro.
José Maria C.S. André