“Morro um fiel servo do Rei, mas de Deus primeiro”. Terão sido estas as últimas palavras de São Tomás More, antes de ser decapitado. A frase traduz, lealmente, a vida deste político, que chegou a ser o braço direito de Henrique VIII e que teria tido uma carreira ainda mais frutuosa, se tivesse fechado os ouvidos ao brado da sua própria consciência.
Nascido em 1478, More destacou-se como erudito homem de letras. Contra a tendência do seu tempo, defendeu que a capacidade intelectual das mulheres era igual à dos homens e deu às suas filhas uma educação rigorosa e rica.
Nomeado chanceler em 1529, foi-se tornando um colaborador cada vez mais próximo do rei. Quando começaram a chegar às ilhas britânicas ecos das revoltas de Lutero contra a Igreja, More redigiu fortes e firmes defesas da Igreja Católica, em nome de Henrique VIII, posições que valeram ao rei o título “Defensor da Fé”, atribuído pelo Papa.
A conhecida polémica resultante da recusa por parte de Roma de reconhecer a anulação do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão e o consequente afastamento do trono Inglês do poder Papal traduziram-se numa tensão terrível entre duas instituições pelas quais More sentia uma tremenda fidelidade.
O amor à Igreja falou mais alto. More recusou colaborar com as medidas anti-católicas de Henrique VIII. Absteve-se de participar na cerimónia de coroação de Ana Bolena e o Rei decidiu agir judicialmente.
Apresentaram-se falsos testemunhos e os juízes, entre os quais o pai, um irmão e um tio de Bolena, condenaram-no por alta traição.
Maria José Nogueira Pinto, que, enquanto política católica, cultiva um grande interesse e admiração pela figura deste santo, explica que o processo de More tem três vertentes importantes:
“É uma questão de consciência, mas é também o sacrifício de uma amizade, porque Thomas More e o rei tinham uma relação quase filial. E é, finalmente, uma questão de Estado, porque Thomas More percebe o que se está a passar e as repercussões de tudo aquilo que, aliás, ainda hoje se manifesta, no campo religioso”.
Para Maria José Nogueira Pinto, More é uma referência muito actual, porque “na política, continua a haver a tentação do caminho mais fácil. Uma visão pragmática, no pior sentido da palavra. Thomas More representa o oposto disso, elevando o respeito pelas convicções e pela consciência”.
Os relatos que nos chegaram dos seus últimos momentos referem que More manteve sempre a sua dignidade e até uma boa dose de humor. Quando lhe ofereceram ajuda para subir ao cadafalso aceitou, agradecido, mas logo adiantou: “Eu depois desço sozinho”.
A sua firmeza na defesa da fé valeu-lhe a canonização na Igreja Católica em 1935, tendo sido nomeado mais recentemente padroeiro dos políticos.
Filipe d’Avillez
(Fonte: ‘Página 1’, grupo Renascença na sua edição de 06.07.2010)