O capítulo 4, com o título "A lei natural ea cidade" começa por referir a relação entre pessoa e sociedade como chave que ilumina a passagem da lei natural para o direito natural. Se a pessoa, como fim em si mesma, está no centro da ordem social e política, a sua condição naturalmene social impede que se considere a sociedade como o resultado de um puro contrato: as relações com os outros são necessárias para a sua realização como pessoa (nn. 83-85).
Neste sentido, o bem comum não é apenas o fim próprio da política; também permite à pessoa ser cada vez mais pessoa humana. Para isso, a sociedade deve promover a realização das inclinações naturais da pessoa humana. Neste sentido, o documento destaca quatro valores que, derivando da lei natural, definem o perfil do bem comum: a liberdade, a verdade, a justiça e a solidariedade (nn. 86-87).
Quando consideramos as relações de justiça entre os seres humanos, a lei natural exprime-se como direito natural (nn. 88-89). Este não é uma regra estabelecida de uma vez para sempre, antes enuncia o juízo da razão prática que dá valor ao que é justo (n. 90). Como tal, é medida do direito positivo, o qual deve esforçar-se por actualizar as exigências do direito natural, quer como conclusão - eg, o direito natural proíbe o homicídio, o direito positivo proíbe o aborto -, quer na forma de determinação - o direito natural prescreve que os culpados sejam punidos, o direito positivo determina que pena se deve aplicar a cada delito (n.91).
Os direitos naturais constituem a medida das relações humanas anteriores à vontade do legislador, e não se baseiam nos desejos inconstantes dos indivíduos, mas na própria estrutura dos seres humanos e das suas relações humanizadoras (n. 92).
O recurso ao direito natural exige o reconhecimento de um projecto ético intrínseco à vida política, diferente do projecto religioso. O documento recorda que a revelação bíblica convida a humanidade a considerar que a ordem da criação é uma ordem universal, na qual participa toda a humanidade, e que é uma ordem acessível à razão.
Convida ainda a distinguir entre a ordem racional da política, e a ordem da graça e da escatologia, deduzindo desta distinção uma dupla consequência: o Estado não pode arvorar-se em possuidor do sentido último da história, pois o âmbito do sentido último, na sociedade civil, diz respeito às organizações religiosas, à filosofia e à espiritualidade; e estas jurisdições devem, por sua vez, contribuir para o bem comum, reforçando os vínculos sociais e promovendo os valores universais que fundamentam a mesma ordem política.
Se, por um lado, "a lei natural contém a ideia de estado de direito, que se estrutura segundo o princípio da subsidiariedade, respeitando as pessoas e os grupos intermédios e regulando as suas interacções", por outro lado, a política deve proceder a um debate racional aberto à transcendência (nn. 93-98).
O último capítulo trata das relações entre lei natural e Evangelho; sob esse ponto de vista, refere-se a Jesus Cristo, Logos encarnado, lei viva, como cumprimento perfeito da lei natural (n. 107), que, além de constituir um modelo ético, proporciona aos homens a possibilidade real de cumprirem a lei do amor; com efeito, a graça do Espírito Santo é o elemento principal da nova lei, que é a lei da liberdade.
Deste modo, a referência a uma lei natural surge como uma chave que, por um lado, mantém um vínculo com a nova lei do Evangelho e, por outro lado, oferece uma ampla base de diálogo com todo o tipo de pessoas, com vista à procura do bem comum (n. 112).
Aceprensa
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