A Conferência Episcopal de França
e a Conferência dos Religiosos e Religiosas de França pediram ao Vice-Presidente
honorário do Conselho de Estado (Jean-Marc Sauvé) que promovesse uma investigação
independente para conhecer os factos, compreender o que se passou e fazer
sugestões para prevenir abusos futuros. Foi esta comissão, nomeada há dois
anos, que entregou agora o seu relatório, disponível na Net.
Os dados recolhidos são
- um questionário respondido pelas vítimas, cerca de 1500, a maioria já anteriormente referenciada, postas em contacto com a comissão através de associações de vítimas e de instituições ligadas à Igreja, e umas poucas mais que se apresentaram agora, convocadas por um apelo geral, divulgado a toda a população de França,
- entrevistas a 69 vítimas
- e uma sondagem feita através da internet a 28 mil indivíduos, escolhidos entre uma amostra de voluntários que participa habitualmente em sondagens a troco de bónus diversos.
A pergunta principal da sondagem
era se a pessoa tinha sido vítima de abusos, incluindo neste conceito as provocações,
o exibicionismo, os toques e as relações físicas. Cerca de 3300 dos inquiridos declararam-se
vítimas de abusos sexuais quando eram menores de idade. O abusador tinha sido quase
sempre um homem, 75% das vítimas eram raparigas e 25% eram rapazes.
No caso de o inquirido ter sido
vítima, perguntava-se que tipo de pessoa tinha cometido o abuso. Do total das
3300 vítimas, cerca de 200 declararam que tinham sido molestadas por um membro
do clero. A diferença mais notória em relação ao resto da sociedade é que 75% destas
vítimas eram rapazes contra 25% de raparigas. Parece evidente o peso da
homossexualidade neste tipo de pedofilia, apesar do relatório não tirar essa
conclusão.
Várias outras particularidades emergem
da sondagem, por exemplo relativamente à geografia dos abusos por parte do
clero: os casos são mais raros nas zonas católicas e mais frequentes nas
regiões descristianizadas de França. Outra diferença é que 21% das vítimas em ambientes
eclesiais declararam ter apresentado queixa enquanto apenas 13% das outras
vítimas o fez. Em ambos os casos, uma percentagem significativa das queixas não
resultou em condenação, talvez por falta de provas.
Extrapolando os dados da sondagem
para o total da população existente desde o ano de 1950, concluiu-se que 46 mil
raparigas e 170 mil rapazes sofreram algum tipo de abuso sexual por parte de um
padre quando eram menores. Analogamente, extrapolando os números da sondagem, conclui-se
que cerca de 300 mil menores de idade foram sujeitos a algum abuso em ambientes
relacionados com a Igreja, estimativa que é centenas de vezes superior ao
número de queixas alguma vez apresentadas, directa ou indirectamente.
Como é costume, só a Igreja se
preocupou com o assunto, tanto mais que o estudo tinha partido de uma iniciativa
dos bispos e superiores das ordens religiosas. O Papa Francisco falou em «vergonha»
pela incapacidade para lidar com os abusos.
Perante a ameaça de serem ultrapassados
pela efervescência mediática, os políticos franceses saltaram para a ribalta, certamente
sem pensarem muito, insistindo na proposta do relatório de acabar com o segredo
da confissão. Os bispos rejeitaram liminarmente a hipótese e o próprio ritmo da
agitação mediática remeteu ao esquecimento aquela ideia absurda.
Houve tudo. Mártires, políticos
apressados, as propostas mais delirantes. No entanto, o segredo inviolável da confissão
continua a brilhar através dos séculos com uma firmeza difícil de explicar. A
não ser que admitamos que é o próprio Deus que está empenhado em que este
milagre perdure pelos tempos sem fim.
José Maria C.S. André
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