A unidade do homem tem um órgão: a consciência. Foi uma ousadia de São Paulo afirmar que todos os homens têm a capacidade de escutar a sua consciência, separando assim a questão da salvação da questão do conhecimento e da observância da Torah, e situando-a no terreno da comum exigência interior em que o Deus único fala e diz a cada um o que é verdadeiramente essencial na Lei: Quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente as prescrições da lei, sem ter lei são lei para si mesmos, demonstrando que têm a realidade dessa lei escrita no seu coração, segundo o testemunho da sua consciência... (Rom 2, 14 e segs.). Paulo não diz: "Se os gentios se mantiverem firmes na sua religião, isso é bom diante do juízo de Deus". Pelo contrário, ele condena grande parte das práticas religiosas do seu tempo. Remete para outra fonte, para aquela que todos trazem escrita no coração, para o único bem do único Deus.
Neste ponto enfrentam-se hoje dois conceitos contrários de consciência, que na maioria das vezes simplesmente se intrometem um no outro. Para Paulo, a consciência é o órgão da transparência do único Deus em todos os homens, que são um só homem. Mas, actualmente, a consciência aparece como expressão do caráter absoluto do sujeito, acima do qual não poderia haver, no campo moral, nenhuma instância superior. O bem como tal não seria cognoscível. O Deus único não seria cognoscível. No que diz respeito à moral e à religião, a última instância seria o sujeito [...].
Assim, o conceito moderno de consciência equivale à canonização do relativismo, da impossibilidade de haver normas morais e religiosas comuns, ao passo que, pelo contrário, para Paulo e para a tradição cristã, a consciência sempre foi a garantia da unidade do ser humano e da cognoscibilidade de Deus, e portanto da obrigatoriedade comum de um mesmo e único bem. O facto de em todos os tempos ter havido e haver santos pagãos baseia-se em que em todos os lugares e em todos os tempos – embora muitas vezes com grande esforço e apenas parcialmente - a voz do coração era perceptível; a Torah de Deus se nos fazia perceptível como obrigação dentro de nós mesmos, no nosso ser enquanto criaturas, e desse modo tornava possível que superássemos a mera subjetividade na relação de uns com os outros e na relação com Deus. E isto é a salvação.
(Cardeal Joseph Ratzinger em ‘Fe, verdad y cultura. Reflexiones a propósito de Ia Encíclica Fides et ratio’. Primeiro Congresso Internacional da Faculdade San Dámaso de Teologia, Madrid, 16.02.2000)
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