O «site» do nosso Património
Cultural, modelo de erudição e exuberância de palavras, espreguiça-se por
várias páginas a falar de um santuário cristológico tronco-piramidal. Alguém
consegue imaginar o que seja um santuário cristológico tronco-piramidal? Tem quatro
pilares sobre os quais tem plataforma formando terraço. Já adivinhou? Tem
vários corpos articulados revestidos a placas cerâmicas de dois tons e faixas
alternadas a desperdício de mármore e tijoleira, num jogo rítmico. Ainda
precisa de ajuda? É o monumento ao Cristo Rei, em frente a Lisboa. A festa deste
Domingo, 22 de Novembro de 2015.
Existem dezenas de imagens de
Cristo Rei no mundo, a pedir o dom da paz, mas há três especiais. O Cristo
Redentor do Corcovado, no Brasil, o tal santuário cristológico tronco-piramidal
em Lisboa e o Cristo Rei da cidade de Díli, em Timor Lorosae. Há outros
monumentos dedicados a Cristo Rei, alguns tão grandes ou maiores, mas estes são
os meus preferidos.
O primeiro, inaugurado em 1931,
já foi classificado pela Unesco como uma das sete novas maravilhas do mundo.
Ergue-se a 800 metros acima do mar, sobre um penhasco magmático quase vertical,
chamado morro do Corcovado. A escultura, de betão revestido com pedra, tem 38 metros
de altura. O desenho, da autoria de Carlos Oswald, representa Jesus de braços
abertos ao mundo inteiro, dando a impressão de ser, de longe, uma cruz plantada
no maciço rochoso. O molde da estátua veio do «atelier» do escultor franco-polaco
Paul Landowski.
O segundo Cristo Rei da minha
devoção é o de Almada, uns 215 metros acima do estuário do Tejo. Inspirou-se
directamente no modelo brasileiro e no mesmo desejo de paz. Naqueles anos, Portugal
ansiava pela paz, de todo o coração. A Igreja portuguesa aguentara a
perseguição do último século de monarquia e o anti-clericalismo da Primeira
República. Sucediam-se os atentados, os golpes, as revoluções. Lá fora, o
comunismo fazia multidões de vítimas na Rússia e nas regiões por ela ocupadas,
a perseguição no México produzia milhares de mártires, a Alemanha estava
dominada por um regime pagão que preparava a guerra, o marxismo mergulhava a
Espanha em guerra civil. A Segunda Guerra Mundial atrasou a construção do Cristo
Rei, mas a decisão estava tomada. Os bispos portugueses fizeram a promessa
pública, em nome de todo o país, de erguer aquela imagem, para (1) pedir perdão
a Deus por tantos pecados contra a dignidade humana; (2) agradecer a Deus se
Portugal não viesse a sofrer directamente os horrores da Segunda Guerra Mundial;
(3) expressar o propósito colectivo de nos portarmos doravante de forma honesta
e santa.
O Cristo Rei de Lisboa
representa Jesus de braços abertos, como o do Corcovado, mas a escultura é
diferente. A imagem brasileira segue o cânone «art déco» da época, de linhas mais
geométricas, enquanto a de Lisboa, da autoria do escultor Francisco Franco, é
uma obra clássica, temperada de vanguardismo modernista. Francisco Franco só
teve tempo de realizar o boceto da escultura, em ponto pequeno; a peça final
foi vazada em betão no próprio local, em moldes de gesso ampliados do boceto, e
acabada a escopro.
O Cristo Rei de Díli também é enorme – mede 27 metros de
altura – e também está situado sobre um grande monte junto ao mar, sobre um
pedestal que neste caso é um globo terrestre. A atitude é semelhante à dos
monumentos anteriores, mas o artista muçulmano Mochamad Syailillah fez a
escultura em cobre. A estátua foi inaugurada pelo então Bispo de Díli D. Ximenes
Belo no ano de 1996, ainda durante a ocupação Indonésia, ainda durante o
governo de Suharto. Mais uma vez, o Cristo Rei falava de paz. O monumento,
oferecido pela Indonésia ao povo de Timor, era um pedido de desculpa implícito pelos
cerca de 100.000 timorenses massacrados pouco tempo antes; o gesto do povo de Timor
de aceitar das mãos dos ocupantes muçulmanos o seu Cristo Rei monumental
significava: já perdoámos.
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus
22-XI-2015
22-XI-2015
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