«Completaram-se os dias de [Maria] dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2, 6-7). Com esta afirmação simples mas clara, Lucas leva-nos ao coração daquela noite santa: Maria deu à luz, Maria deu-nos a Luz. Uma narração simples para nos entranhar no acontecimento que muda para sempre a nossa história. Tudo, naquela noite, se tornava fonte de esperança.
Mas recuemos alguns versículos… Por decreto do imperador, Maria e José viram-se obrigados a partir. Tiveram de deixar os parentes, a sua casa, a sua terra e pôr-se a caminho para se recensearem. Uma viagem nada confortável nem fácil para um casal jovem que estava para ter um bebé: viram-se forçados a deixar a sua terra. No coração, transbordavam de esperança e de futuro por causa do filho que chegava; mas sentiam os passos carregados com as incertezas e perigos próprios de quem tem de deixar a sua casa.
E em seguida tocou-lhes enfrentar a coisa talvez mais difícil: chegar a Belém e sentir que era uma terra que não os esperava, uma terra onde não havia lugar para eles.
Mas foi precisamente lá, naquela realidade que se revelava um desafio, que Maria nos presenteou com o Emanuel. O Filho de Deus teve de nascer num curral, porque os seus não tinham espaço para Ele. «Veio para o que era seu, e os seus não O receberam» (Jo1, 11). E lá, no meio da escuridão duma cidade que não tem espaço nem lugar para o forasteiro que vem de longe, no meio da escuridão duma cidade toda em movimento que parecia querer, neste caso, edificar-se voltando as costas aos outros… precisamente lá acende-se a centelha revolucionária da ternura de Deus. Em Belém, criou-se uma pequena abertura para aqueles que perderam a terra, a pátria, os sonhos; mesmo para aqueles que sucumbiram à asfixia produzida por uma vida fechada.
Nos passos de José e Maria, escondem-se tantos passos. Vemos as pegadas de famílias inteiras que hoje são obrigadas a partir. Vemos as pegadas de milhões de pessoas que não escolhem partir, mas são obrigadas a separar-se dos seus entes queridos, são expulsas da sua terra. Em muitos casos, esta partida está carregada de esperança, carregada de futuro; mas, em tantos outros, a partida tem apenas um nome: sobrevivência. Sobreviver aos Herodes de turno, que, para impor o seu poder e aumentar as suas riquezas, não têm problema algum em derramar sangue inocente.
Maria e José, para quem não havia lugar, são os primeiros a abraçar Aquele que nos vem dar a todos o documento de cidadania; Aquele que, na sua pobreza e pequenez, denuncia e mostra que o verdadeiro poder e a autêntica liberdade são os que honram e socorrem a fragilidade do mais fraco.
Naquela noite, Aquele que não tinha um lugar para nascer é anunciado àqueles que não tinham lugar nas mesas e nas ruas da cidade. Os pastores são os primeiros destinatários desta Boa Notícia. Pelo seu trabalho, eram homens e mulheres que tinham de viver à margem da sociedade. As suas condições de vida, os lugares onde eram obrigados a permanecer, impediam-lhes de observar todas as prescrições rituais de purificação religiosa e, por isso, eram considerados impuros. Traía-os a sua pele, as suas roupas, o seu odor, o modo de falar, a origem. Neles tudo gerava desconfiança. Homens e mulheres de quem era preciso estar ao largo, recear; eram considerados pagãos entre os crentes, pecadores entre os justos e estrangeiros entre os cidadãos. A eles – pagãos, pecadores e estrangeiros – disse o anjo: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2, 10-11).
Eis a alegria que somos convidados a partilhar, celebrar e anunciar nesta noite. A alegria com que Deus, na sua infinita misericórdia, nos abraçou a nós, pagãos, pecadores e estrangeiros, e nos impele a fazer o mesmo.
A fé desta noite leva-nos a reconhecer Deus presente em todas as situações onde O julgamos ausente. Ele está no visitante indiscreto, muitas vezes irreconhecível, que caminha pelas nossas cidades, pelos nossos bairros, viajando nos nossos transportes públicos, batendo às nossas portas.
E esta mesma fé impele-nos a abrir espaço a uma nova imaginação social, não ter medo de experimentar novas formas de relacionamento onde ninguém deva sentir que não tem um lugar nesta terra. Natal é tempo para transformar a força do medo em força da caridade, em força para uma nova imaginação da caridade. A caridade que não se habitua à injustiça como se fosse algo natural, mas tem a coragem, no meio de tensões e conflitos, de se fazer «casa do pão», terra de hospitalidade. Assim no-lo recordava São João Paulo II: «Não tenhais medo! Abri, antes, escancarai as portas a Cristo» (Homilia na Missa de início do Pontificado, 22/X/1978).
No Menino de Belém, Deus vem ao nosso encontro para nos tornar protagonistas da vida que nos rodeia. Oferece-Se para que O tomemos nos braços, para que O levantemos e abracemos; para que n’Ele não tenhamos medo de tomar nos braços, levantar e abraçar o sedento, o forasteiro, o nu, o doente, o recluso (cf. Mt 25, 35-36). «Não tenhais medo! Abri, antes, escancarai as portas a Cristo». Neste Menino, Deus convida-nos a cuidar da esperança. Convida-nos a fazer-nos sentinelas para muitos que sucumbiram sob o peso da desolação, que deriva do facto de encontrar tantas portas fechadas. Neste Menino, Deus torna-nos protagonistas da sua hospitalidade.
Comovidos pelo jubiloso dom, Menino pequenino de Belém, pedimo-Vos que o vosso choro nos desperte da nossa indiferença, abra os olhos perante quem sofre. A vossa ternura desperte a nossa sensibilidade e nos faça sentir convidados a reconhecer-Vos em todos aqueles que chegam às nossas cidades, às nossas histórias, às nossas vidas. Que a vossa ternura revolucionária nos persuada a sentir-nos convidados a cuidar da esperança e da ternura do nosso povo.
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