Morreu Joaquín Navarro Valls, o
médico dedicado ao jornalismo que João Paulo II convidou para chefiar o Gabinete
de Imprensa do Vaticano. Como vivia no mundo dos jornalistas, a imprensa internacional
destacou a notícia com abundância de testemunhos pessoais. Uns recordaram a
relação de amizade que incluía conselhos médicos; muitos referiram a maneira
eficiente de transmitir a informação, o domínio das novas tecnologias; outros
lembraram o bom humor, a capacidade de expressar ideias em fórmulas soantes.
Praticamente todos consideraram
que ele revolucionou a comunicação vaticana e marcou uma época irrepetível. Até
ele chegar, em 1984, o gabinete de imprensa do Vaticano era o «guichet» que
distribuía os textos lidos pelo Papa e dava conta de algumas nomeações na Santa
Sé. Navarro Valls redefiniu completamente a função.
Navarro Valls tinha aprendido
do Fundador do Opus Dei que todas as ocasiões profissionais são oportunidade
para evangelizar. No seu caso, o Papa não o tinha chamado a distribuir
comunicados mas a participar na missão evangelizadora da Igreja. Lançar uma campanha
publicitária? Ele reagiu ao desafio como um homem de fé: antes de mais, confiou
na oração pessoal e na Eucaristia. Esta atitude impressionou vivamente muitos
jornalistas e os seus colaboradores no gabinete de imprensa, por lhes ter feito
sentir que, qualquer que fosse o seu trabalho, eram protagonistas de uma missão
maior, de dimensão divina e universal.
Outra mudança cósmica na «Sala
Stampa» foi o contacto humano. Navarro Valls era particularmente culto, fluente
em várias línguas, divertido. No entanto, o clique na relação humana foi ele contar
activamente com a lealdade e o profissionalismo dos jornalistas. O habitual clima
de desconfiança justificava-se, porque poucos jornalistas acreditados no
Vaticano eram católicos e vários tinham uma aversão notória à Igreja. Descreviam
qualquer nomeação como indício de manobras ocultas ou sintoma de corrupção; traduziam
as homilias do Papa em categorias políticas de apoio ou oposição a partidos ou a
países; ampliavam qualquer pequeno escândalo e a mensagem de Cristo ficava fora
desse ruído mediático. Em vez do Evangelho, a notícia era o escândalo e
sobretudo o boato associado, geralmente maior que o facto original. Navarro
Valls – que não tinha nada de ingénuo – em vez de esconder, adiantava-se a informar
os pormenores desagradáveis de modo que mesmo os jornais mais hostis ganharam
em objectividade.
O trabalho fundamental, no
entanto, não era a gestão das catástrofes. O foco era transmitir o Evangelho em
modo Comunicação. Os media estão
condicionados pela espuma dos dias, o impacto da novidade, vivem da emoção e do
conflito: como conciliar esta lógica de superfície com a coerência e a
profundidade da mensagem de Cristo?
Por um lado, Navarro Valls
percebeu que muitas distorções provêem da ignorância. Porque é que um
jornalista gasta duas páginas a comentar um arranjo floral e ignora os aspectos
fundamentais de uma Missa? Preconceito? Má vontade? Se ele não tiver ideia do que é a Eucaristia,
é escusado esperar que fale do importante. Assim, a primeira função do gabinete
de imprensa é investir na catequese, explicar tão profundamente quanto possível
o essencial. Depois, transmiti-lo fica a cargo do jornalista. Se ele percebeu e
é competente, a qualidade da notícia está garantida.
Um outro aspecto prático tem a
ver com as parábolas. Jesus ensinava com histórias e o jornalismo também
precisa de histórias e de imagens. Se as soubermos interpretar, as pequenas
incidências da vida cristã podem competir com a actualidade dos cataclismos e
transmitir verdades profundas. Graças à inteligência de Navarro Valls, passaram
pelo gabinete de imprensa da Santa Sé milhares de histórias. A grande biografia
que George Weigel escreveu sobre João Paulo II alimenta-se de uma grande
quantidade desses episódios. O mesmo aconteceu no pontificado de Bento XVI e
ainda a propósito de outras situações. Um dia, Navarro Valls contou à
jornalista Ima Sanchís: «Em Calcutá, visitei aqueles imensos pavilhões cheios
de moribundos, hindus, muçulmanos, que ela recolhia pelas ruas. “A irmã
converte-os?” – perguntei-lhe. “Não – respondeu –, só pretendo que pessoas que
viveram como animais possam morrer como filhos de Deus, isto é, lavados,
penteados, alimentados”». Qual foi a
lição?, pergunta-lhe Ima Sanchís: «Que nunca se pode instrumentalizar o outro
por um fim maior, porque não existe nada mais importante que um ser humano». Está
tudo na conclusão, mas talvez o jornal a tivesse despachado numa nota de
rodapé. Assim, explicada com uma história, a frase «não existe nada mais
importante que o ser humano» fez manchete e o desenvolvimento do artigo ocupou
uma página inteira.
Transformar o Evangelho em comunicação não é um
problema de comunicação, é questão de transformar o Evangelho em vida e em
oração. Parece-me que foi isso, sob várias perspectivas, que os jornalistas
recordaram de Navarro Valls, a propósito da sua morte.
José Maria C.S. André
16-VII-2017
Spe Deus
Sem comentários:
Enviar um comentário