Excelências, queridos Embaixadores, Senhoras e Senhores!
Dou-vos as boas vindas e agradeço a vossa presença tão numerosa e atenta neste encontro tradicional que nos permite trocar entre nós votos de que o ano, há pouco iniciado, seja um tempo de alegria, prosperidade e paz para todos. Expresso-os ao Decano do Corpo Diplomático, Sua Excelência o Senhor Armindo Fernandes do Espírito Santo Vieira, Embaixador de Angola, com um sentimento de especial gratidão pelas deferentes palavras de saudação que me dirigiu em nome de todo o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, que recentemente se viu ampliado na sequência do estabelecimento de relações diplomáticas com a República Islâmica da Mauritânia, ocorrido há um mês. Desejo igualmente exprimir a minha gratidão aos numerosos Embaixadores residentes na Urbe, tendo o seu número aumentado durante o último ano, e também aos Embaixadores não residentes, que hoje, com a sua presença, pretendem sublinhar os vínculos de amizade que unem os seus povos à Santa Sé. Ao mesmo tempo, gostaria de deixar uma palavra de condolências ao Embaixador da Malásia, recordando o seu antecessor, Dato’ Mohd Zulkephli Bin Mohd Noor, falecido em fevereiro passado.
Ao longo do ano passado, as relações entre os vossos países e a Santa Sé puderam aprofundar-se ainda mais com as gratas visitas de numerosos chefes de Estado e de governo, muitas delas em concomitância com os vários eventos que constelaram o Jubileu extraordinário da Misericórdia, recentemente concluído. Vários foram também os Acordos bilaterais assinados ou ratificados, quer de carácter geral, visando reconhecer o estatuto jurídico da Igreja, com a República Democrática do Congo, República da África Central, Benim e com Timor-Leste, quer de caráter mais específico como o Avenant assinado com a França, ou a Convenção em matéria fiscal com a República Italiana, que entrou recentemente em vigor, e ainda o Memorando de Acordo entre a Secretaria de Estado e o Governo dos Emiratos Árabes Unidos. Além disso, na perspetiva do empenho da Santa Sé por respeitar as obrigações assumidas pelos acordos subscritos, foi também dada plena implementação ao Comprehensive Agreement com o Estado da Palestina, que entrou em vigor há um ano.
Queridos Embaixadores!
Há um século, encontrava-se o mundo no auge do primeiro conflito mundial; um massacre inútil,[1] no qual novas técnicas de combate semeavam morte e causavam sofrimentos enormes à população civil indefesa. Em 1917, o conflito mudou profundamente de aspeto, adquirindo uma fisionomia cada vez mais global, ao mesmo tempo que assomavam ao horizonte aqueles regimes totalitários que haveriam de ser, durante longo tempo, causa de dilacerantes divisões. Cem anos depois, pode-se dizer que muitas partes do mundo beneficiaram de longos períodos de paz, que propiciaram oportunidades de desenvolvimento económico e formas de bem-estar sem precedentes. Se, para muitos, a paz aparece hoje de certo modo como um bem indiscutido, quase um direito adquirido a que já não se presta grande atenção, entretanto para outros é apenas uma miragem distante. Milhões de pessoas vivem ainda no meio de conflitos insensatos. Mesmo em lugares outrora considerados seguros, nota-se uma sensação geral de medo. Com frequência somos surpreendidos por imagens de morte, pela dor de inocentes que imploram ajuda e consolação, pelo luto de quem chora uma pessoa querida por causa do ódio e da violência, surpreendidos pelo drama dos deslocados que fogem da guerra ou dos migrantes que morrem tragicamente.
Por isso, gostaria de dedicar o encontro de hoje ao tema da segurança e da paz, pois considero que, no clima de geral apreensão pelo presente e de incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados, é importante dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas de caminho.
Apenas alguns dias atrás, celebramos o quinquagésimo Dia Mundial da Paz, instituído pelo meu Predecessor, o Beato Paulo VI, «como auspiciosa promessa – na abertura do calendário que mede e descreve o caminho da vida humana no tempo – de que seja a paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o desenrolar da história futura».[2] Para os cristãos, a paz é um dom do Senhor, aclamada e cantada pelos anjos no momento do nascimento de Cristo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14). A paz é um bem positivo, «fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana»[3] e «não [a mera] ausência de guerra».[4] Não «se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas»[5], mas exige o compromisso das pessoas de boa vontade «sempre anelantes por uma mais perfeita justiça».[6]
Nesta perspetiva, é minha viva convicção que cada expressão religiosa é chamada a promover a paz. Pude experimentá-lo, de maneira significativa, durante a Jornada Mundial de Oração pela Paz, realizada em Assis no passado mês de setembro, durante a qual se encontraram os representantes das diferentes religiões para «dar voz em conjunto a quantos sofrem, a quantos se encontram sem voz e sem escuta»,[7] bem como no decurso da minha visita ao Templo Maior de Roma ou à Mesquita de Baku.
Sabemos que não têm faltado violências por motivação religiosa, a começar precisamente pela Europa, onde históricas divisões entre os cristãos já perduram há demasiado tempo. Na minha viagem recente à Suécia, pretendi lembrar a necessidade urgente de curar as feridas do passado e caminhar juntos para objetivos comuns. Na base deste caminho, não pode haver senão o diálogo autêntico entre as diferentes confissões religiosas. É um diálogo possível e necessário, como procurei testemunhar no encontro realizado em Cuba com o Patriarca Cirilo de Moscovo, bem como no decurso das viagens apostólicas à Arménia, Geórgia e Azerbaijão, onde notei a justa aspiração daquelas populações por resolver os conflitos que, há anos, prejudicam a concórdia e a paz.
Ao mesmo tempo, convém não esquecer as múltiplas obras, religiosamente inspiradas, que concorrem – por vezes mesmo com o sacrifício dos mártires – para a edificação do bem comum, através da educação e da assistência sanitária, especialmente nas regiões mais desfavorecidas e nos cenários de conflito. Tais obras contribuem para a paz e dão testemunho de como se pode, concretamente, viver e trabalhar juntos, mesmo pertencendo a povos, culturas e tradições diferentes, desde que se coloque, no centro das próprias atividades, a dignidade da pessoa humana.
Estamos cientes, porém, de que ainda hoje, infelizmente, a experiência religiosa, em vez de abrir aos outros, pode às vezes ser usada como pretexto de fechamentos, marginalizações e violências. Refiro-me particularmente ao terrorismo de matriz fundamentalista, que ceifou também no ano passado numerosas vítimas em todo o mundo: no Afeganistão, Bangladesh, Bélgica, Burkina Faso, Egito, França, Alemanha, Jordânia, Iraque, Nigéria, Paquistão, Estados Unidos da América, Tunísia e Turquia. São gestos vis, que usam as crianças para matar, como na Nigéria; tomam de mira quem reza, como na catedral copta do Cairo, quem viaja ou trabalha como em Bruxelas, quem passeia pelas ruas da cidade, como em Nice e Berlim, ou simplesmente quem festeja a chegada do Ano Novo, como em Istambul.
Trata-se duma loucura homicida que, na tentativa de afirmar uma vontade de predomínio e poder, abusa do nome de Deus para semear morte. Por isso, faço apelo a todas as autoridades religiosas para que se mantenham unidas em reiterar vigorosamente que nunca se pode matar em nome de Deus. O terrorismo fundamentalista é fruto duma grave miséria espiritual, que muitas vezes aparece associada também com notável pobreza social. E isto poderá ser plenamente vencido apenas com a colaboração conjunta dos líderes religiosos e dos líderes políticos. Aos primeiros, cabe a tarefa de transmitir aqueles valores religiosos que não admitem contraposição entre o temor de Deus e o amor ao próximo. Aos líderes políticos, compete garantir, no espaço público, o direito à liberdade religiosa, reconhecendo a contribuição positiva e construtiva que a mesma exerce na edificação da sociedade civil, onde não podem ser sentidas como contraditórias a pertença social, sancionada pelo princípio de cidadania, e a dimensão espiritual da vida. Além disso compete a quem governa a responsabilidade de evitar a formação daquelas condições que se tornam terreno fértil para a propagação dos fundamentalismos. Isto requer adequadas políticas sociais tendentes a combater a pobreza, que não podem prescindir duma sincera valorização da família, como lugar privilegiado da maturação humana, e de investimentos conspícuos nos setores educativo e cultural.
A este respeito, vejo com interesse a iniciativa do Conselho da Europa sobre a dimensão religiosa do diálogo intercultural, que no ano passado se debruçou sobre o papel da educação na prevenção da radicalização que conduz ao terrorismo e ao extremismo violento. Trata-se duma oportunidade para aprofundar a contribuição do fenómeno religioso e o papel da educação para uma verdadeira pacificação do tecido social, necessária para a convivência numa sociedade multicultural.
Neste sentido, desejo expressar a convicção de que cada autoridade política não se deve limitar a garantir a segurança dos seus cidadãos – conceito que facilmente se pode identificar com um simples «viver tranquilos» – mas sinta-se chamada também a fazer-se verdadeira promotora e obreira de paz. A paz é uma «virtude ativa», que requer o empenho e a cooperação de cada indivíduo e do corpo social no seu todo. Como observava o Concílio Vaticano II, «a paz nunca se alcança duma vez por sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada»,[8] tutelando o bem das pessoas, respeitando a sua dignidade. A sua edificação requer, antes de mais nada, que se renuncie à violência na reivindicação dos próprios direitos.[9] Foi precisamente a este princípio que quis dedicar a Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, intitulada: «A não-violência: o estilo duma política para a paz», para lembrar, antes de mais nada, que a não-violência é um estilo político, baseado na primazia do direito e da dignidade de toda a pessoa.
Edificar a paz exige também «eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras»,[10] a começar pelas injustiças. Com efeito, existe uma ligação íntima entre justiça e paz.[11] «Mas – observava São João Paulo II – como a justiça humana é sempre frágil e imperfeita, porque exposta como tal às limitações e aos egoísmos pessoais e de grupo, ela deve ser exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas. (...) O perdão não se opõe de modo algum à justiça, (…) mas visa sobretudo aquela plenitude de justiça, que gera a tranquilidade da ordem, a qual (...) consiste na cura em profundidade das feridas que sangram nos corações. Para tal cura, ambos, justiça e perdão, são essenciais».[12] Estas palavras, mais atuais hoje do que nunca, contaram com a disponibilidade de alguns chefes de Estado ou de governo para acolher o meu convite a realizar um ato de clemência para com os reclusos. A eles, bem como a todas as pessoas que trabalham para criar condições de vida dignas para os encarcerados e favorecer a sua inserção na sociedade, desejo expressar o meu particular apreço e gratidão.
Estou convencido que o Jubileu extraordinário da Misericórdia constituiu, para muitos, uma ocasião particularmente favorável para descobrirem também «a grande e positiva incidência da misericórdia como valor social».[13] Deste modo, cada um pode contribuir para dar vida a «uma cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos».[14] Só assim será possível construir sociedades abertas e acolhedoras para com os estrangeiros e, ao mesmo tempo, seguras e em paz no seu interior. Isto é ainda mais necessário nos dias de hoje em que continuam, ininterruptos, enormes fluxos migratórios em diferentes partes do mundo. Penso de modo particular nos numerosos deslocados e refugiados nalgumas áreas da África, no sudeste asiático e em todos aqueles que fogem das zonas de conflito no Médio Oriente.
No ano passado, a comunidade internacional enfrentou o problema em dois encontros importantes, convocados pelas Nações Unidas: a primeira Cimeira Mundial da Ajuda Humanitária e a Cimeira sobre os Amplos Movimentos de Refugiados e Migrantes. É preciso um empenho comum em favor de migrantes, deslocados e refugiados, que permita proporcionar-lhes um acolhimento digno. Isto implica saber conjugar o direito de cada ser humano a «transferir-se para outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se»[15] e, ao mesmo tempo, garantir a possibilidade duma integração dos migrantes nos tecidos sociais onde se inserem, sem que estes sintam ameaçada a sua segurança, a própria identidade cultural e os seus próprios equilíbrios político-sociais. Por outro lado, os próprios migrantes não devem esquecer que têm o dever de respeitar as leis, a cultura e as tradições dos países onde são acolhidos.
Uma abordagem prudente por parte das autoridades públicas não envolve a implementação de políticas de fechamento aos migrantes, mas implica avaliar, com sabedoria e clarividência, até que ponto o seu país é capaz, sem lesar o bem comum dos cidadãos, de oferecer uma vida decente aos migrantes, especialmente àqueles que têm real necessidade de proteção. Sobretudo não se pode reduzir a dramática crise atual a uma simples contagem numérica. Os migrantes são pessoas com nomes, histórias, famílias, e não poderá jamais haver verdadeira paz enquanto existir um único ser humano que é violado na sua identidade pessoal e reduzido a mero número estatístico ou a um objeto de interesse económico.
O problema migratório é uma questão que não pode deixar indiferentes alguns países, enquanto outros suportam o peso humanitário, muitas vezes com esforços consideráveis e sérias dificuldades, para enfrentar uma emergência que parece não ter fim. Todos deveriam sentir-se construtores concorrendo para o bem comum internacional, inclusive através de gestos concretos de humanidade que constituem fatores essenciais daquela paz e daquele progresso que nações inteiras e milhões de pessoas estão ainda à espera. Por isso, agradeço a tantos países que acolhem generosamente aqueles que precisam, a começar por vários Estados europeus, especialmente Itália, Alemanha, Grécia e Suécia.
Permanecerá gravada para sempre na minha memória a viagem que fiz à Ilha de Lesbos, juntamente com os meus irmãos Patriarca Bartolomeu e Arcebispo Ieronymos, onde vi e constatei a situação dramática dos campos de refugiados, mas também a humanidade e o espírito de serviço de muitas pessoas empenhadas na sua assistência. E não devemos esquecer também a hospitalidade oferecida por outros países europeus e do Médio Oriente, como Líbano, Jordânia, Turquia, e ainda o empenho de diferentes países da África e da Ásia. Também durante a minha viagem ao México, onde pude experimentar a alegria do povo mexicano, senti-me solidário com os milhares de migrantes da América Central, que suportam terríveis injustiças e perigos na tentativa de poder ter um futuro melhor, vítimas de extorsão e objeto daquele comércio perverso – horrível forma de escravatura moderna – que é o tráfico das pessoas.
Inimiga da paz é uma tal «visão redutora» do homem, que abre o caminho à difusão da iniquidade, das desigualdades sociais, da corrupção. Precisamente contra este último fenómeno, a Santa Sé assumiu novos compromissos, depositando formalmente, em 19 de setembro passado, o instrumento de adesão à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003.
Na Encíclica Populorum progressio, cujo cinquentenário tem lugar este ano, o Beato Paulo VI lembrava que tais desigualdades provocam discórdias. «O caminho da paz passa pelo desenvolvimento»,[16] que as autoridades públicas têm a responsabilidade de encorajar e favorecer, criando as condições para uma distribuição mais equitativa dos recursos e estimulando as oportunidades de emprego, especialmente para os mais jovens. No mundo, há ainda demasiadas pessoas, especialmente crianças, que sofrem por pobrezas endémicas e vivem em condições de insegurança alimentar – antes, de fome –, enquanto os recursos naturais se veem objeto da exploração gananciosa de poucos e enormes quantidades de alimento são desperdiçadas todos os dias.
As crianças e os jovens são o futuro: para eles se trabalha e constrói. Não podem ser, egoisticamente, negligenciados e esquecidos. Por esta razão, como lembrei recentemente numa carta enviada a todos os Bispos, considero prioritária a defesa das crianças, cuja inocência é frequentemente espezinhada sob o peso da exploração, do trabalho clandestino e escravo, da prostituição ou dos abusos dos adultos, dos bandidos e dos mercadores de morte.[17]
Durante a minha viagem à Polónia, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, pude encontrar milhares de jovens, cheios de entusiasmo e alegria de viver. Mas, em muitos outros, tenho visto a tristeza e o sofrimento. Penso nos adolescentes que sofrem as consequências do conflito atroz na Síria, privados das alegrias da infância e da juventude: desde a possibilidade de brincar livremente até à oportunidade de ir à escola. Eles e todo o querido povo da Síria estão constantemente presentes no meu pensamento, ao mesmo tempo que apelo à comunidade internacional para que se esforce com diligência por dar vida a uma negociação séria que ponha termo definitivamente ao conflito, causador de um verdadeiro e próprio desastre humanitário. Cada uma das partes em causa deve considerar como prioritário o respeito pelo direito humanitário internacional, garantindo a proteção dos civis e a assistência humanitária necessária à população. O desejo comum é que a trégua recentemente assinada possa ser um sinal de esperança para todo o povo sírio, que dela tem profunda necessidade.
Isto requer também que se trabalhe por erradicar o perverso comércio das armas e a insistência constante de se produzir e disseminar armamentos cada vez mais sofisticados. Notável preocupação despertam as experiências realizadas na península coreana, que desestabilizam a região inteira e põem questões preocupantes a toda a comunidade internacional sobre o risco duma nova corrida às armas nucleares. Permanecem muito atuais ainda as palavras de São João XXIII, na Pacem in terris, quando afirma que «a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com esta corrida ao poderio militar; que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente; que sejam banidas as armas atómicas».[18]
Também no que diz respeito aos armamentos convencionais, é preciso salientar que a facilidade com que, não raro, se pode aceder ao mercado das armas, mesmo de pequeno calibre, além de agravar a situação nas diferentes áreas de conflito, produz uma sensação generalizada de insegurança e medo, tanto mais perigosa por se atravessar tempos de incerteza social e mudanças epocais como o atual.
Inimiga da paz é a ideologia que se vale dos problemas sociais para fomentar o desprezo e o ódio e que vê o outro como um inimigo a aniquilar. Infelizmente assomam, de contínuo, no horizonte da humanidade novas formas ideológicas. Mascarando-se como portadoras de bem para o povo, o que realmente deixam atrás de si é pobreza, divisões, tensões sociais, sofrimento e, por vezes, também morte. Ao invés, a paz conquista-se com a solidariedade. A partir dela germina a vontade de diálogo e a colaboração, que encontra na diplomacia um instrumento fundamental. É na perspetiva da misericórdia e da solidariedade que se coloca o empenho convicto da Santa Sé e da Igreja Católica por afastar os conflitos ou acompanhar processos de paz, reconciliação e busca de soluções negociadas para os mesmos. Anima ver que algumas tentativas empreendidas encontram a boa vontade de muitas pessoas que, de variadas partes, trabalham ativa e eficazmente pela paz. Penso nos esforços feitos no último biénio para reaproximar Cuba e os Estados Unidos. Penso também no esforço empreendido com tenacidade, mesmo por entre dificuldades, para acabar com anos de conflito na Colômbia.
Tal abordagem visa favorecer a confiança mútua, sustentar caminhos de diálogo e sublinhar a necessidade de gestos corajosos, que são muito urgentes também na vizinha Venezuela, onde as consequências da crise política, social e económica gravam há muito sobre a população civil; ou noutras partes da Terra, a começar pelo Médio Oriente, não só para pôr fim ao conflito sírio, mas também para favorecer sociedades plenamente reconciliadas no Iraque e no Iémen. Além disso a Santa Sé renova o seu premente apelo para que se retome o diálogo entre israelitas e palestinenses, a fim de se chegar a uma solução estável e duradoura que garanta a coexistência pacífica de dois Estados dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. Nenhum conflito pode tornar-se um hábito, do qual pareça quase impossível separar-se. Israelitas e palestinenses têm necessidade de paz. Todo o Médio Oriente tem urgente necessidade de paz!
Igualmente espero a plena implementação dos acordos que visam restabelecer a paz na Líbia, onde é muito urgente curar as divisões destes anos. Do mesmo modo encorajo todos os esforços a nível local e internacional para restaurar a convivência civil no Sudão e no Sudão do Sul, na República da África Central, martirizados por persistentes confrontos armados, massacres e devastações, bem como noutras nações do Continente marcadas por tensões e instabilidade política e social. Em particular, faço votos de que o recente acordo assinado na República Democrática do Congo contribua para fazer com que todos aqueles que têm responsabilidades políticas se esforcem diligentemente por favorecer a reconciliação e o diálogo entre todas as componentes da sociedade civil. O meu pensamento detém-se ainda no Myanmar, esperando que se favoreça uma coexistência pacífica e, com a ajuda da comunidade internacional, não se deixe de prestar assistência a quantos têm grave e urgente necessidade dela.
Também na Europa, onde não faltam as tensões, a abertura ao diálogo é o único caminho para garantir a segurança e o progresso do Continente. Acolho, pois, com favor as iniciativas tendentes a favorecer o processo de reunificação de Chipre, que hoje mesmo vê um retoma das negociações, enquanto espero que, na Ucrânia, se continue com determinação na busca de soluções viáveis para a plena realização dos compromissos assumidos pelas Partes e sobretudo se dê rápida resposta à situação humanitária, que continua a ser ainda grave.
A Europa inteira está a atravessar um momento decisivo da sua história, em que é chamada a reencontrar a sua identidade. Isto exige a redescoberta das suas raízes, a fim de poder moldar o seu próprio futuro. Face aos impulsos desagregadores, é muito urgente atualizar «a ideia de Europa» para dar à luz um novo humanismo baseado na capacidade de integrar, dialogar e gerar,[19] que fez grande o chamado Velho Continente. O processo de unificação europeia, que começou depois do segundo conflito mundial, foi e continua a ser uma ocasião única de estabilidade, paz e solidariedade entre os povos. Nesta sede, não posso deixar de reiterar o interesse e a preocupação da Santa Sé pela Europa e o seu futuro, na certeza de que os valores, nos quais teve origem e está baseado este projeto – que chega este ano ao sexagésimo aniversário –, são comuns a todo o Continente e estendem-se para além das próprias fronteiras da União Europeia.
Excelências, Senhoras e Senhores!
Mas edificar a paz significa também empenhar-se ativamente no cuidado da criação. O Acordo de Paris sobre o clima, que entrou recentemente em vigor, é um sinal importante do compromisso comum para deixar a quem vier depois de nós um mundo belo e habitável. Espero que o esforço empreendido nos últimos anos para enfrentar as alterações climáticas encontre uma cooperação cada vez mais ampla de todos, já que a Terra é a nossa casa comum e é preciso considerar que as opções de cada um têm repercussões na vida de todos.
Contudo é evidente também que existem fenómenos que excedem as possibilidades da ação humana. Refiro-me aos numerosos terremotos que atingiram algumas regiões do mundo. Penso, antes de tudo, naqueles que ocorreram no Equador, Itália e Indonésia, que provocaram numerosas vítimas, e muitas pessoas vivem ainda em condições extremamente precárias. Pude visitar pessoalmente algumas áreas atingidas pelo terremoto no centro da Itália, onde, ao constatar as feridas que o sismo causou a uma terra rica de arte e cultura, pude compartilhar a amargura de tantas pessoas, juntamente com a sua coragem e determinação em reconstruir tudo o que foi destruído. Espero que a solidariedade que uniu o querido povo italiano nas horas sucessivas ao terremoto, continue a animar a nação inteira, sobretudo neste momento delicado da sua história. A Santa Sé e a Itália estão particularmente ligadas por óbvias razões históricas, culturais e geográficas. Esta ligação apareceu claramente no ano jubilar e agradeço a todas as autoridades italianas pela ajuda prestada na organização deste evento, inclusive para garantir a segurança dos peregrinos que vieram de todo o mundo.
Queridos Embaixadores!
A paz é um dom, um desafio e um compromisso. Um dom porque brota do próprio coração de Deus; um desafio porque é um bem que nunca é um dado adquirido mas deve ser continuamente conquistado; um compromisso, porque requer, na sua busca e construção, o trabalho apaixonado de todas as pessoas de boa vontade. Por isso só há verdadeira paz a partir duma visão do homem que saiba promover o seu desenvolvimento integral, tendo em conta a sua dignidade transcendente, já que «o desenvolvimento – como recordava o Beato Paulo VI – é o novo nome da paz».[20] Assim os meus votos para o ano há pouco iniciado são estes: que possam aumentar entre os nossos países e seus respetivos povos as ocasiões para trabalhar juntos e construir uma paz autêntica. Por seu lado a Santa Sé, particularmente a Secretaria de Estado, estará sempre disponível para colaborar com todos os que se esforçam por pôr termo aos conflitos em curso e para dar apoio e esperança às populações que sofrem.
Na liturgia, pronunciamos a saudação «a paz esteja convosco». Com esta frase, penhor de abundantes bênçãos divinas, renovo a cada um de vós, ilustres membros do Corpo Diplomático, às vossas famílias, aos países que aqui representais, os meus votos mais sinceros para este novo ano.
Obrigado!
[1] Bento XV, Carta aos Chefes dos Povos Beligerantes, 1 de agosto de 1917: AAS IX (1917), 423.
[2] Paulo VI, Mensagem para a celebração do I Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 1968).
[3] Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes (GS), 7 de dezembro de 1965, 78.
[7]Francisco, Discurso na Jornada Mundial de Oração pela Paz, Assis, 20 de setembro de 2016.
[11] Cf. Salmo 85/84, 11; Isaías 32, 17.
[12] João Paulo II, Mensagem para a Celebração do XXXV Dia Mundial da Paz («Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão»), 1 de janeiro de 2002, 3.
[13] Francisco, Carta apostólica Misericordia et misera, 20 de novembro de 2016, 18.
[15] João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, 11 de abril de 1963, 12.
[16] Paulo VI, Carta Encíclica Populorum progressio, 26 de março de 1967, 83.
[17] Cf. Carta aos Bispos na Festa dos Santos Inocentes, 28 de dezembro de 2016.
[18] João XXIII, Carta Encíclica Pacem in terris, 60.
[19] Cf. Francisco, Discurso por ocasião da atribuição do Prémio Carlos Magno, 6 de maio de 2016.
[20] Paulo VI, Populorum progressio, 87.
Sem comentários:
Enviar um comentário