Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Barbárie 2.0

Toda a gente devia ver um segmento do “60 Minutos” que a SIC Notícias está a passar. Chama-se “The National Mood” e tem como protagonista Frank Luntz, um profissional dos estudos de mercado e dos grupos de discussões. Luntz juntou dezenas de americanos de todas a origens e sensibilidades e só lhes pediu uma coisa: uma conversa civilizada sobre o estado da América. O resultado foi dramático. As pessoas não se respeitaram, falaram por cima umas das outras, insultaram-se, mostrando que só conseguem pensar com frases à Twitter, esse instrumento de destruição da linguagem e da perceção da realidade. Luntz faz isto há décadas e garante que nunca viu nada assim. As pessoas estão mesmo a descer aos calabouços da barbárie. Porquê? Luntz menciona três causas: a eleição de 2000, que criou um abismo que perdura, as redes sociais e a falta de educação pura e dura. Vou concentrar-me nas duas últimas.

As redes sociais estão de facto a mudar para pior a forma como pensamos, como percecionamos a realidade empírica e, acima de tudo, como lidamos moralmente com quem discorda de nós. Luntz deu um exemplo paradigmático. Há 18 anos, aquando do impeachment de Clinton, ele fez um grupo de discussão idêntico para o “60 minutos”. As diferenças falam por si: apesar do potencial explosivo do tema, as pessoas falaram com calma, não se interromperam, discutiram argumentos e não fizeram ataques ad hominem. O contraste entre 1998 e 2016 é total. Seguindo a cultura do Twitter e do Facebook, as pessoas hoje só sabem fazer duas coisas: diabolizar ou gozar com o adversário; o outro lado ou é um mal absoluto que deve ser erradicado ou é uma horda de tontos que deve ser caricaturada. Perdeu-se a capacidade para “compreender”, que não é o mesmo que “apoiar”. A certa altura do debate, um rapaz afirmou o seguinte: “Não voto Trump mas percebo porque é que muitas pessoas gostam dele; contudo não digo nada porque sei que vou ser ostracizado.” Não há melhor resumo da nossa atmosfera pós-verdade. Logo a seguir, um homem negro constatou um facto: “Os negros são assassinados sobretudo por outros negros...” Nem conseguiu acabar a frase, porque foi de imediato insultado ou gozado por pessoas que vivem de facto na era pós-verdade: só veem o que querem ver, só leem o querem ler, só vão buscar à net aquilo que confirma os seus preconceitos. Não aceitam a autoridade dos factos.

Ficou ainda evidente outro ponto: não há educação, não há maneiras, as pessoas dizem palavrões com grande facilidade. Nas últimas décadas, aqueles que defendiam as boas maneiras foram rotulados de “reaças”; aqueles que criticavam John Stewart por este usar fucking em cada frase foram chamados “chatos”; aqueles que defendiam a autoridade do pai e do professor perante as criancinhas foram apelidados de “autoritários”. Pois aqui está o resultado desta cultura antiautoridade e contra as boas maneiras: as criancinhas cresceram e já não se limitam a desrespeitar o professor e o pai, desrespeitam a própria verdade factual e, acima de tudo, não sabem respeitar as outras pessoas. Não há liberdade a jusante sem autoridade e respeito a montante.

Henrique Raposo no Semanário Expresso de 19.11.2016 (seleção de imagens ‘Spe Deus’)

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