Existe algo na “minha” noite de Natal que parece algo repetitivo, como um “dejá vu”.
A começar pela expectativa três ou quatro dias antes em que considero de modo quase gráfico o que se vai passar, a consideração repetida de como "Ela" faria ou gostaria que se fizesse, a certeza que "Ela" está no Céu na mesma expectativa que eu; depois a véspera – dia vinte quatro – em que parece que nunca mais chega o momento de receber os filhos, os netos, um ou dois amigos de sempre.
Não tenho que dizer nada nem sequer preparar o que for, as Filhas encarregam-se com esmerado e diligente esforço alegre e bem-disposto em fazer tudo – e mais – que o que poderia esperar.
Curiosamente não há saudades nem momentos de sombra; sinto uma alegria que é o fruto directo do bem-estar, da satisfação íntima, de uma alegria intensa, e sinto-a a "Ela" tão realmente presente, com o o seu sorriso tranquilo de Dona da casa, Esposa, Mãe, Avó e, este ano, Bisavó!
O meu “papel” resume-se a “conduzir” o cântico de parabéns a Jesus no Presépio, a manter a lareira acesa, a “provar” e aprovar – pois claro – uns acepipes, umas “receitas” novas que melhoram ou pelo menos inovam o que “a Mãe costumava fazer”.
Sou tratado como um rei – não de comédia passageira – mas um rei autêntico, importantíssimo, o foco das atenções, dos beijos, das carícias dos cuidados mais íntimos e simples, das fotografias, os “instagrams” (ou lá como se chama essa coisa que os meus netos têm nos telemóveis), e aquelas atenções: 'o Pai faz favor de se sentar', 'o Avô ponha-se sossegado'…
Depois, quando todos já dormem ou foram para suas casas, fico-me aqui, sossegadamente, sem olhar o relógio que marca a madrugada, a escrevinhar “esta memória futura” e a sentir com meridiana clareza esta verdade insofismável:
Que feliz que sou!
Que graças tenho de dar?
Porto, 24 Dezembro 2015
António Mexia Alves
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