Queridos irmãos e irmãs,
Queridas famílias!
Quero agradecer, antes de mais nada, às famílias que tiveram a coragem de partilhar connosco a sua vida. Obrigado pelo vosso testemunho! É sempre um presente poder ouvir as famílias partilharem as suas experiências de vida; toca o coração. Sentimos que nos falam de coisas verdadeiramente pessoais e únicas, mas que de certa forma nos dizem respeito a todos. Ouvindo as suas experiências, podemos sentir-nos envolvidos, interpelados como esposos, como pais, como filhos, irmãos, avós. Enquanto as ouvia, eu pensava como é importante partilhar a vida das nossas casas e ajudar-nos a crescer nesta tarefa linda e desafiadora que é «ser família».
Encontrar-me convosco faz-me pensar num dos mistérios mais belos do cristianismo. Deus não quis vir ao mundo senão através duma família. Deus não quis aproximar-se da humanidade senão através duma casa. Para Si mesmo, Deus não quis outro nome senão o de «Emanuel» (cf. Mt 1, 23): é o Deus connosco. E este foi, desde o princípio, o seu sonho, o seu propósito, a sua luta incansável para nos dizer: «Eu sou o Deus convosco, o Deus para vós». É o Deus que, desde os primórdios da criação, afirmou: «Não é conveniente que o homem esteja só» (Gn 2, 18). E nós podemos continuar dizendo: não é conveniente que a mulher esteja só, não é conveniente que a criança, o idoso, o jovem estejam sós; não é conveniente. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, unir-se-á à sua mulher e os dois serão uma só carne (cf. Gn 2, 24). Os dois serão uma só morada, uma família.
E assim desde tempos imemoriais, no mais fundo do nosso coração, ouvimos estas palavras que tocam fortemente o nosso íntimo: não é conveniente que tu estejas só. A família é o grande dom, o grande presente deste «Deus connosco» que não quis abandonar-nos à solidão de viver sem ninguém, sem desafios, sem morada.
Deus não Se limita a sonhar, mas procura fazer tudo «connosco». O sonho de Deus continua a realizar-se nos sonhos de muitos casais que têm a coragem de fazer, da sua vida, uma família.
Por isso, a família é o símbolo vivo do projecto de amor que um dia o Pai sonhou. Querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história, de construir um mundo onde ninguém se sinta só, onde ninguém se sinta supérfluo ou sem lugar.
Nós, cristãos, admiramos a beleza de cada momento familiar, vendo nele como que o lugar onde, gradualmente, aprendemos o significado e o valor das relações humanas. Aprendemos que amar alguém não é apenas um sentimento forte, mas uma decisão, um discernimento, uma promessa (cf. E. FROMM, A arte de amar). Aprendemos a gastar-nos por alguém, e aprendemos que isto vale a pena.
Jesus não era um «solteirão», muito pelo contrário. Desposou a Igreja, fez dela o seu povo. Gastou-Se por aqueles que ama, entregando-Se completamente para que a sua esposa, a Igreja, pudesse sempre experimentar que Ele é o Deus connosco, com o seu povo, com a sua família. Não podemos compreender Cristo sem a sua Igreja, tal como não podemos compreender a Igreja sem o seu esposo, Cristo Jesus, que Se entregou por amor e mostrou-nos que vale a pena fazê-lo.
Gastar-se por amor não é, em si, uma coisa fácil. Como se verificou com o Mestre, há momentos em que este «gastar-se» passa por situações de cruz. Momentos, em que parece que tudo se torna difícil. Penso em tantos pais, tantas famílias a quem falta trabalho, ou têm um trabalho sem direitos que se torna um verdadeiro calvário. Quanto sacrifício para se conseguir o pão de cada dia! Obviamente estes pais, quando chegam a casa, não podem dar o melhor de si aos seus filhos pelo cansaço que trazem.
Penso em tantas famílias que não têm um tecto sob o qual se abrigar, ou vivem em postos sobrelotados que não possuem o mínimo de condições para poder estabelecer laços de intimidade, de segurança, de protecção contra tantos tipos de adversidade.
Penso em tantas famílias que não têm acesso aos serviços básicos de saúde. Famílias, que para os problemas de saúde, especialmente das crianças ou dos idosos, dependem dum sistema que não os trata com seriedade, transcurando a angústia e submetendo estas famílias a grandes sacrifícios para poderem responder aos seus problemas sanitários.
Não podemos imaginar uma sociedade sadia que não dê espaço concreto à vida da família. Não podemos pensar um futuro para uma sociedade que não encontre uma legislação capaz de defender e garantir as condições mínimas e necessárias para que as famílias, especialmente aquelas que estão a começar, possam desenvolver-se. Quantos problemas se resolverão, se as nossas sociedades protegerem e garantirem que o espaço familiar, especialmente o dos jovens recém-casados, encontrará a possibilidade de ter um trabalho digno, uma habitação segura, um serviço de saúde que acompanhe o crescimento da família em todas as fases da vida.
O sonho de Deus continua irrevogável, continua intacto e convida-nos a trabalhar, a comprometer-nos a favor duma sociedade pro família. Uma sociedade, onde «o pão, fruto da terra e do trabalho do homem», continue a ser partilhado em cada casa alimentando a esperança dos seus filhos.
Ajudemo-nos para que este «gastar-se por amor» continue a ser possível. Nos momentos de dificuldade, ajudemo-nos uns aos outros para aliviar o peso. Façamos de modo que uns sejam apoio dos outros, as famílias apoio doutras famílias.
Não há famílias perfeitas, mas isto não nos deve desencorajar. Pelo contrário, o amor aprende-se, o amor vive-se, o amor cresce «moldando-se» segundo as circunstâncias da vida que cada família concreta atravessa. O amor nasce e desenvolve-se sempre entre luzes e sombras. O amor é possível em homens e mulheres concretos que procuram fazer dos conflitos, não a última palavra, mas uma oportunidade. Oportunidade para pedirmos ajuda, oportunidade para nos questionarmos em que devemos melhorar, oportunidade para descobrirmos o Deus-connosco que nunca nos abandona. Este é um grande legado que podemos dar aos nossos filhos, uma óptima lição: é verdade que cometemos erros; é verdade que temos problemas; mas sabemos que estas coisas não são a realidade definitiva. Sabemos que os erros, os problemas, os conflitos são uma oportunidade para nos aproximarmos dos outros e de Deus.
Nesta noite, reunimo-nos para rezar, para o fazer em família, para fazer das nossas famílias o rosto sorridente da Igreja. Para nos encontrarmos com Deus que não quis outra forma para vir ao mundo senão por meio duma família. Para nos encontrarmos com o Deus- connosco, o Deus que está sempre no meio de nós.
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