Um editorial do jornal norte-americano «The Sun», de 1897
(sim!, do século XIX!), ficou tão popular que ainda hoje é conhecido e considerado
um clássico. Dizem que faz parte da história dos EUA. O pequeno texto, intitulado
«Is there a Santa Claus?», é a resposta a uma minúscula carta ao Director,
enviada por uma menina de 8 anos. O editorial teve um tal impacto que inspirou
filmes e programas de televisão, canções, livros e peças de museu. E o original
da pequenina carta, na realidade um pequeno quadrado de papel rabiscado por uma
criança, está avaliado em dezenas de milhares de dólares, mais cobiçado que
muitos documentos históricos importantes.
Esta parte do jornal de 1897 pode ler-se nesta reprodução
fotográfica:
Porque é que este editorial teve tanto impacto? O que dizia
a carta?
A criança, Virginia O’Halon, perguntou se o Pai Natal (Santa
Claus, em inglês) existia e o jornal respondeu que sim. A frase mais célebre do
artigo é «Yes, Virginia, there is a Santa Claus» (pois é, Virginia, existe um
Pai Natal) que, de tão repetida, se tornou uma expressão idiomática nos Estados
Unidos.
Se alguém não conhece este editorial do «The Sun», pode ler estas
quatro citações, que resumem o essencial:
«Virginia, os teus amiguinhos [que desconfiam do Pai Natal] não
têm razão. Eles estão influenciados pelo cepticismo destes tempos cépticos.
Eles só acreditam no que vêem».
«Pois é, Virginia, existe um Pai Natal. É tão certo ele
existir, como o amor e a generosidade e a dedicação, e sabes como eles se
encontram em todo o lado e enchem a vida com a sua beleza mais sublime e a alegria».
«O mundo seria terrível sem o Pai Natal (...). Não haveria poesia,
nem romance para tornarem esta vida tolerável. Não teríamos gosto, excepto no que se toca e se
vê».
«Isto é real? Ah, Virginia, só isto, neste mundo, é real e
eterno».
Não sei o que um leitor açoriano acha destas divagações. A
cidade de Nova York comoveu-se e a emoção alastrou a todo o país e continua,
passado mais de um século.
Claro que há qualquer coisa de importante neste elogio do
sonho; se não tocasse o coração humano, já ninguém se lembrava do episódio.
As histórias de crianças têm valor, transmitem a realidade.
A Bela Adormecida, ou o Pinóquio, ou os Três Porquinhos, significam algo para
além do enredo. Como a história da água que dança, da maçã que canta e do
pássaro que fala. Ou a história pungente do rouxinol e da rosa («The
Nightingale and the Rose»), de Oscar Wilde.
Eu compreendo todas estas histórias, excepto a do Pai Natal.
Não nasci nos Estados Unidos. Aqueles gorduchos vermelhos não me dizem
respeito. Gosto mais da água que dança e do pássaro que fala.
Presépio na Praça de São Pedro em Roma - Natal 2014 |
De qualquer modo, o Natal, o nascimento de Jesus Cristo, é
outra história, absolutamente incomparável. Com muito mais ternura! Com uma
lição muito mais forte de amor, de alegria de viver, de capacidade de resistir.
É a diferença entre um conto pelo qual ninguém arriscaria a vida e um facto que
justifica a lealdade heróica dos mártires. É a diferença entre a simples imagem
e a realidade propriamente dita.
O Natal é de um realismo impressionante, por isso precisa
também do sonho. A parte do sonho são os presépios enfeitados com musgo e estrelas
de papel, são as guloseimas e as canções. Todos nós precisamos disso, desse
bocadinho de sonho que nos empurra para dentro da realidade. A barriga do Pai
Natal não empurra para lado nenhum, mas, minha querida Virginia, Jesus verdadeiro
sorri. Sabemos que nos vê e gosta de nós, mas precisamos do presépio para olhar
para Ele e sorrirmos também.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores»,
Natal 2014
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