A grande notícia destes dias foram as visitas do Papa Francisco às instituições europeias, em Estrasburgo, e ao mundo árabe e à igreja Ortodoxa, em Ancara e Istambul, quase nos confins do califado.
A missão parecia tão difícil que o Papa começou por outra etapa, silenciosa e particular. Por volta das 17h30 saiu do Vaticano e foi à basílica de Santa Maria Maior entregar um ramo de flores a Nossa Senhora. Sem público, sem anúncio, apenas meia hora diante da imagem, inteiramente em silêncio, a rezar.
Depois deste passo preliminar, o Papa falou no Parlamento Europeu e no Conselho da Europa. Alguns grupos prometiam contestação e quiseram mesmo impedi-lo de ir, mas a recepção dos representantes dos povos europeus foi tão calorosa, que os contestatários não ficaram para a história. O Papa falou com grande clareza da responsabilidade da Europa perante Deus, afrontou as correntes que fomentam o aborto e desvalorizam a família, pediu generosidade para com a pobreza que existe pelo mundo, falou da verdade por oposição ao relativismo. Os discursos podiam ter acabado numa pateada monumental, mas os deputados sentiram que a voz do Papa ultrapassava de tal maneira o plano das lutas ideológicas que ouviram até ao fim e, depois, aplaudiram-no com entusiasmo, unanimemente.
O que convenceu um deputado favorável ao aborto a aplaudir o discurso do Papa? E aquele outro que não quer abrir as fronteiras aos pobres? E aquele que não quer reconhecer o valor das raízes cristãs da cultura europeia?...
Deixando a Europa surpreendida consigo própria, a digerir uma mensagem que não costuma ouvir, o Papa Francisco partiu para a Turquia.
A grande presença junto do Papa foi o Patriarca Bartolomeu, mas também a multidão dos muçulmanos e o Grande Mufti Rahmi Yaran. Com ele, entrou na Mesquita Azul. Tal como Bento XVI há 8 anos, o Papa Francisco respeitou a regra muçulmana de se descalçar e, como há 8 anos, tinha muito para rezar. O Mufti tinha dito a Bento XVI que seria oportuno rezar 30 segundos e o Papa começou mas, ao fim de vários minutos, em que a comitiva já não sabia o que fazer, continuava, de olhos fechados, as mãos a segurarem a cruz peitoral, a rezar. Desta vez, a comitiva do Grande Mufti estava preparada e esperou sem «stress» que o Papa Francisco acabasse de contar a Deus tudo o que levava no coração. Sob a cúpula da Mesquita Azul, o Papa Francisco disse, talvez para explicar porque precisava de tanto tempo: «além de pedir (...): agradecer a Deus, louvá-Lo, glorificá-Lo e adorá-Lo. A adoração, a adoração... é o primeiro».
O Patriarca Bartolomeu e os fiéis da igreja Ortodoxa, principal motivo da viagem, afirmaram o seu desejo de reconstituir a unidade da Igreja Católica, depois de uma separação de séculos. Houve tiradas muito solenes, como aquela frase do Patriarca saudando o Papa como o «portador do amor do Protocorifeu para com o seu irmão, o Primeiro Chamado». Dita em grego, a frase suou maravilhosamente! O «Protocorifeu» é o «principal apóstolo» ou o «primeiro entre os chefes», isto é, S. Pedro, reconhecendo assim que o Papa é o sucessor de Pedro, a quem Cristo confiou a autoridade suprema na Igreja. O «Primeiro Chamado» é o Apóstolo André, irmão de Pedro, que conheceu Cristo primeiro e foi chamar Pedro. Santo André é o símbolo da igreja Ortodoxa, que de certo modo remonta a ele.
Num estilo menos oriental, o Papa Francisco respondeu: «sinto que a nossa alegria é maior porque brota de uma fonte que nos ultrapassa, não vem de nós, não resulta do nosso empenho e dos nossos esforços, que devemos fazer, mas esta alegria vem da entrega comum à fidelidade de Deus. (...) É uma paz e uma alegria que o mundo não pode dar». E acrescentou: «André e Pedro ouviram esta promessa [de alegria] e receberam o dom. Eram irmãos, mas o encontro com Cristo transformou-os em irmãos na fé e na caridade e – nesta tarde de alegria, nesta vigília de oração – eu diria que os transformou sobretudo em irmãos da esperança».
Dias eufóricos, naquela confusão atribulada de muçulmanos e ortodoxos, de refugiados do Iraque e de cristãos. Dias que deixaram no ar a pergunta: quanto tempo falta para que se cumpra a esperança? Para já, vive-se um «ecumenismo de sangue», como disse o Papa Francisco: são muitos os cristãos, católicos e ortodoxos, assassinados todos os dias.
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar», «ABC Portuguese Canadian Newspaper», 7-XII-2014
Sem comentários:
Enviar um comentário