A unidade da Igreja, no tempo e no espaço, está ligada com a unidade da fé: « Há um só Corpo e um só Espírito, (...) uma só fé » (Ef 4, 4-5). Hoje poderá parecer realizável a união dos homens com base num compromisso comum, na amizade, na partilha da mesma sorte com uma meta comum; mas sentimos muita dificuldade em conceber uma unidade na mesma verdade; parece-nos que uma união do género se oporia à liberdade do pensamento e à autonomia do sujeito. Pelo contrário, a experiência do amor diz-nos que é possível termos uma visão comum precisamente no amor: neste, aprendemos a ver a realidade com os olhos do outro e isto, longe de nos empobrecer, enriquece o nosso olhar. O amor verdadeiro, à medida do amor divino, exige a verdade e, no olhar comum da verdade que é Jesus Cristo, torna-se firme e profundo. Esta é também a alegria da fé: a unidade de visão num só corpo e num só espírito. Neste sentido, São Leão Magno podia afirmar: « Se a fé não é una, não é fé ».[40]
Qual é o segredo desta unidade? A fé é una, em primeiro lugar, pela unidade de Deus conhecido e confessado. Todos os artigos de fé se referem a Ele, são caminhos para conhecer o seu ser e o seu agir; por isso, possuem uma unidade superior a tudo quanto possamos construir com o nosso pensamento, possuem a unidade que nos enriquece, porque se comunica a nós e nos torna um.
Depois, a fé é una, porque se dirige ao único Senhor, à vida de Jesus, à história concreta que Ele partilha connosco. Santo Ireneu de Lião deixou isto claro, contrapondo-o aos hereges gnósticos. Estes sustentavam a existência de dois tipos de fé: uma fé rude, a fé dos simples, imperfeita, que se mantinha ao nível da carne de Cristo e da contemplação dos seus mistérios; e outro tipo de fé mais profunda e perfeita, a fé verdadeira reservada para um círculo restrito de iniciados, que se elevava com o intelecto para além da carne de Jesus rumo aos mistérios da divindade desconhecida. Contra esta pretensão, que ainda em nossos dias continua a ter o seu encanto e os seus seguidores, Santo Ireneu reafirma que a fé é uma só, porque passa sempre pelo ponto concreto da encarnação, sem nunca superar a carne e a história de Cristo, dado que Deus Se quis revelar plenamente nela. É por isso que não há diferença, na fé, entre « aquele que é capaz de falar dela mais tempo » e « aquele que fala pouco », entre aquele que é mais dotado e quem se mostra menos capaz: nem o primeiro pode ampliar a fé, nem o segundo diminuí-la.[41]
Por último, a fé é una, porque é partilhada por toda a Igreja, que é um só corpo e um só Espírito: na comunhão do único sujeito que é a Igreja, recebemos um olhar comum. Confessando a mesma fé, apoiamo-nos sobre a mesma rocha, somos transformados pelo mesmo Espírito de amor, irradiamos uma única luz e temos um único olhar para penetrar na realidade.
[40] In nativitate Domini sermo, 4, 6: SC 22, 110.
[41] Cf. Ireneu, Adversus haereses, I, 10, 2: SC 264, 160.
Lumen Fidei, 47
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