É verdade que o ordenamento jurídico deve conhecer a realidade social que pretende regular e que duas pessoas do mesmo sexo podem ser excelentes educadoras de um filho menor de uma delas. Também é certo que a lei não deve obedecer a preconceitos discriminatórios, nem a exigências religiosas, mesmo quando a sociedade se reconhece maioritariamente cristã. Mas destes princípios não decorre a absoluta autonomia do direito em relação à ordem natural, nem a sua subserviência em relação a qualquer fenómeno social emergente.
A lei não cria a realidade, mas ordena-a para o bem comum, segundo os princípios da justiça social. Não é o ordenamento jurídico que cria o ser humano, tão-só verifica a sua existência e devia reconhecer-lhe os direitos e deveres inerentes. A geração é um processo natural, pelo qual uma mulher e um homem se tornam pais de um filho. O direito deve reconhecer essa filiação e pode, pela adopção, imitar esse procedimento, dando uma mãe e um pai a quem os não tem.
A condição de progenitor é pessoal, não extensiva ao cônjuge, nem a um seu parceiro em união de facto, seja esta entre duas pessoas do mesmo ou de diferente sexo. Só o ser feminino pode ser mãe, seja ela progenitora ou adoptante; como só pode ser pai o ser masculino, progenitor ou adoptante.
Cada criança só tem, verdadeiramente, um pai e uma mãe, naturais ou adoptivos. Que realidade fundamentaria a aberrante noção jurídica de ‘segunda mãe’, ou de ‘segundo pai’?! Que o direito atribua a maternidade e a paternidade a um casal que não é progenitor do menor, mas que o quer adoptar, é razoável, porque essa mulher e esse homem têm, respectivamente, uma aptidão natural e, portanto, jurídica, para a maternidade e para a paternidade. Também é aceitável que se atribua ao cônjuge do pai, sendo mulher, a condição de mãe adoptiva, ou madrasta; ou ao cônjuge da mãe, sendo homem, o estatuto legal de pai adoptivo, ou padrasto. Mas nenhuma mulher pode ser pai ou padrasto, nem nenhum homem pode ser mãe ou madrasta, nem há lugar, na natureza ou no direito, para uma segunda mãe, ou um segundo pai, em simultâneo, que necessariamente seriam uma falsa mãe e um falso pai.
Alegam os defensores da pretendida co-adopção que a existência, ainda que muito minoritária, de uniões de pessoas do mesmo sexo, que coabitam com os filhos de uma delas, é uma realidade a que o direito não pode ser alheio. A verdade, porém, é que nem tudo o que é deve ser como é. A maternidade de algumas adolescentes e o incesto são também reais. Mas tais realidades não tornam razoável a antecipação da idade exigida para o matrimónio, nem a legalização do casamento entre parentes próximos. Se o direito permitisse tais uniões precoces ou incestuosas, não só estaria a reconhecê-las como estaria, sobretudo, a promovê-las, atento o pressuposto de que a lei é um referencial ético. Há gravidezes de mães jovens e uniões incestuosas, mas é justo que o direito as não legitime, principalmente porque os filhos dessas uniões, prematuras ou consanguíneas, seriam as principais vítimas do reconhecimento jurídico dessas indesejáveis realidades sociais.
Mais do que qualquer outro princípio, interessa ao direito a defesa dos mais necessitados, ou seja, das crianças. É sobretudo por elas e pelo seu bem que não se pode permitir esta co-adopção. Não está em causa a bondade, certamente excelente, dos eventuais co-adoptantes, mas o superior interesse das crianças. Não se consinta que os menores, que sofrem a infelicidade de não ter mãe e/ou pai, sejam também privados do amor materno e paterno, que só uma mulher e um homem, respectivamente, lhes podem dar.
Gonçalo Portocarrero de Almada
jornal i, 25 janeiro 2014
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