Um dos grandes mistérios da situação portuguesa é que inúmeros dirigentes e intelectuais antecipam e incitam à revolta e ao tumulto social enquanto o País permanece sereno e ordeiro. Ambos os factos são estranhos. Como os analistas mostram razões ponderosas, o povo deve saber algo que eles ignoram.
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Apesar das atoardas dos sábios, os portugueses entendem bem o longo delírio colectivo, onde todos obtivemos ganhos excelentes, pagos com dívida externa que agora temos de liquidar. O processo é difícil porque, depois de as termos, essas exigências ficam indispensáveis e inalienáveis. Mas vivemos felizes sem elas durante gerações.
É verdade que também houve erros e crimes, que devem ser punidos, e nem sempre são. Muitas vergonhas, como o BPN, continuam isentas. Também agora, neste difícil ajustamento, ocorrem novos lapsos e abusos. Mas é importante entender que tudo isso não chega para explicar um problema deste tamanho, só atingível com a participação de todo o País. Dizê-lo gera sempre a acusação injusta de desculpar os corruptos e incompetentes que nos meteram no buraco. Mas isso é tolice. Não se deseja aliviar culpados mas promover a indispensável solidariedade social no sofrimento. Não só porque realmente todos aproveitámos da longa festa, mas também porque a raiva é sempre má conselheira.
A terceira coisa que a população entende bem e tantos sábios teimam em ocultar é que revolta e repúdio da troika e dívida aumentariam a austeridade, não a reduziriam. É preciso equilibrar as contas e os milhões da ajuda permitem aliviar e adiar esses cortes que, mesmo assim, são pesadíssimos. Seriam bem piores sem apoio. Além disso, a única hipótese de o País voltar ao normal é reganhar a credibilidade e a honestidade de bom pagador.
Nem as alternativas míticas de crescimento que tantos inventam nem a revolta que levianamente insistem em antecipar resolveriam a questão. A escolha actual é entre um caminho duro e exigente, com aperto e mudança de vida, para voltarmos ao desafogo, ou o estatuto de pária internacional, aparentemente aliviado da dívida, mas deixando de ser país respeitável. Além de continuar a apertar o cinto porque, afinal, até esquecendo os juros, o Estado ainda gasta mais do que tem.
É espantoso que o povo entenda isto suportando serenamente os cortes. Mas ainda mais do que os sábios, não.
João César das Neves in DN online texto completo AQUI
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