Talvez o pensamento e intervenção de Deng Xiaoping no governo da China, quando em 1992, numa viagem ao sul, anunciou uma abertura do regime, que mantinha o monopólio partidário do poder, mas se abria à pluralidade de regimes locais e ao que foi chamado socialismo de mercado, ainda seja a premissa de rutura do evolucionismo que a rodeou, e de conciliação possível entre a potência e a razão.
É certo que em relação a muitas potências ocidentais se verificou uma separação entre a capacidade geopolítica em recuo e a capacidade geoeconómica em luta pelo crescimento, isto no ambiente democrático dos ocidentais. Se, entre estes, os EUA foram os mais persistentes na política de manter ambas as capacidades, sem deixar de pregar os valores da democratização global, a China deu já mostras suficientes de que não pretende que, como no passado, o conceito de grande potência mantenha o sentido apenas nominal que durante anos teve no Conselho de Segurança, e que pretende reunir ambas as capacidades, a geopolítica e a geoeconómica.
Com êxito, se lermos alguns sinais do comportamento dos ocidentais, designadamente no que toca ao 4 de junho de 1989, quando as forças armadas abriram fogo em Tiananmen contra os estudantes contestatários.
Durante largo tempo o clamor dos estadistas ocidentais contra a violação dos direitos humanos foi esmorecendo, até se tornar discreto, e substituído pela cortesia da diplomacia clássica, ficando os protestos ocasionais a cargo de analistas e doutrinadores.
De facto, o que a China demonstrou foi um esforço, progressivamente bem medido, de conciliar a política do poder com a política da razão, e, a partir da intervenção de Deng Xiaoping, a atenção à economia foi constante e recompensada pelo crescimento, embora seja frequentemente notado, mas não é caso único no mundo, que as margens marítimas destoam da interioridade, e se multipliquem avaliações das atividades públicas e privadas que não exibem práticas e qualificações jurídicas da mesma espécie das praticadas no Ocidente. Ali, em todo o caso, com a circunstância de a evolução do socialismo de mercado e a progressiva complexidade das relações internacionais em completa igualdade com as restantes potências não terem afetado a manutenção do poder pelo partido.
Por outro lado, quando recentemente a China lançou o seu primeiro porta-aviões, com surpresa confessa dos EUA, com este gesto tranquilo de mostrar a bandeira tornou bem claro o objetivo de conseguir manter a articulação da capacidade geopolítica com a capacidade geoeconómica, ao mesmo tempo que os centros académicos doutrinam o exercício da razoabilidade na redefinição da ordem internacional. A experiência geral confirma que especialmente o acento tónico colocado na economia e o recurso ao conhecimento dos avanços científicos e técnicos de uma época global sem precedente equivalente trarão modificações, algumas já visíveis, na desenvoltura da sociedade civil, e uma consciência crescente da distância entre o que foi chamado "primeira China", articulada com o exterior, e a interioridade que agudizará a questão social.
No entretanto as manifestações de força e de nacionalismo que inquietaram o resto do mundo foram-se amenizando, em termos de os EUA esquecerem os ideologismos em favor da debilidade financeira que defrontam, e isto é aviso suficiente de que algum novo equilíbrio está em curso, e espera-se que a favor da paz pelo exercício da razão.
É neste ambiente que a China toma uma posição significativa na estrutura empresarial portuguesa, facto que recorda a publicidade com que, pelos fins de 2005, o governo de Pequim delegou no governo de Macau desenvolver as relações com os países da CPLP, para aproveitar a herança portuguesa. Uma atitude que, nesta difícil época, desenvolve a relação secular entre os dois países, e deverá confirmar a digna forma como se processou a retirada da bandeira portuguesa de Macau. Um passo dado pela China, nesta data de crise aguda, em que estende a mão amigável naquela mais vasta e anunciada estratégia.
Adriano Moreira in DN online
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