Temos acesso a um excessivo número de dados, mas frequentemente, falta-nos o contexto e a possibilidade de interpretação
Muitos recordar-se-ão do ano de 2010 como o ano do Facebook, Wikileaks e iPad2. A empresa de Mark Zuckerberg, considerado em 2010, o homem do ano pela Revista Time, estava avaliada, em Janeiro de 2011, em 50.000 milhões de dólares, ultrapassava os 600 milhões de utilizadores e crescia a um ritmo de 700.000 de utilizadores ...por dia. Apenas a Alemanha, a China e a Rússia ofereciam uma certa resistência a esta onda universal. Todos os meses surgem 3.000 milhões de fotos associados aos perfis do Facebook. Actualmente, o Facebook ultrapassa já os 700 milhões de utilizadores. São valores que, independentemente do futuro da empresa lhe garantem, inequivocamente, um lugar na história da comunicação.
No dia 28 de Novembro de 2010, a Wikileaks alcançou protagonismo mundial com a publicação dos seus «documentos secretos». Era o triunfo da transparência «radical» do actual ambiente da comunicação, à qual se poderia aplicar a máxima: «se não queres que se publique não escrevas». Os que publicam os meios de comunicação devem partir do princípio de que tudo está exposto ao olhar perspicaz da rede. A exposição de Julian Assange à opinião pública foi tão intensa que muitos consideraram que o fundador da Wikileaks devia ser o homem do ano da Time em vez de Zuckerberg.
O iPad2 foi recebido entusiasticamente pelos utilizadores que se surpreenderam tanto com os seus benefícios como com a sua estética. Computador portátil e versátil como poucos que inclui capacidades que, anteriormente, requeriam máquinas diferentes e permite a utilização simultânea do vídeo, música e acesso aos meios sociais. Alguns jornais diários e revistas consideram-no uma tábua de salvação. A «experiência de utilização» pelos diários e revistas regista uma melhoria considerável: novas oportunidades surgem no horizonte. Actualmente, a News Corporation e a Apple já se associaram por meio do acreditado The Daily.
A 2 de Março de 2011 apareceu o iPad2. Em finais de Março de 2011 já tinham sido vendidos mais de 19 milhões de unidades. O Facebook, Wikileaks e iPad2, podem ser utilizados como símbolos do panorama actual.
Um manancial de oportunidades
Um manancial de oportunidades
Na comunicação, sempre houve luz e trevas, dificuldades e oportunidades. O panorama digital actual é rico em oportunidades. Poder-se-ia dizer que o mundo está na palma da nossa mão, que estamos a «apenas um click» de conteúdos actualizados e interessantes, que podemos ter uma audiência mundial. Ao mesmo tempo, a proximidade das notícias, do entretenimento dos jogos permite que as pessoas se abstraiam da realidade. Muitos são impelidos para conteúdos de que lhes dêem prazer imediato, com as consequentes sequelas da dependência.
Impedir o acesso à rede e aos dispositivos móveis não parece a opção educativa mais adequada até por que se pode tornar impraticável na era «sem fios». Contudo, nesta altura dos acontecimentos, seria uma irracionalidade ignorar os problemas decorrentes da utilização inadequada dos meios digitais. A maior parte destes problemas existiam nos meios analógicos: o excesso do «consumo», a proliferação de conteúdos que, para dizer de modo aligeirado, ofende a dignidade humana, a exploração do sensacionalismo.
Vida «online» e «offline»
A vida online não deve substituir a vida offline. Dizendo de outra maneira, a tecnologia estão ao serviço das pessoas e deveria tornar-nos mais sociáveis.
Em algumas situações, as tecnologias podem favorecer o anonimato. Convém sublinhar que na comunicação digital é frequente não estarem presentes as pistas visuais e verbais que contribuem para os encontros cara a cara. Contudo, também é verdade que a comunicação digital permite chegar a mais pessoas e manter com elas, pelo menos, um certa sensação de proximidade. Ao mesmo tempo, a multiplicação de «amizades», em si fenómeno interessante e positivo, leva também a um potencial crescimento dos encontros com estranhos e outros perigos. Deste modo, os riscos do ‘cyberbullying’ aumentam.
A questão não parece resolvida, pois algum público demonstra um desinteresse inquietante, que poderia ser facilitado pelo «automatismo» ou distancia na comunicação de pessoas que, para além de falar, enviam mensagens. A ligação, o contacto permanente já está a provocar sintomas de dependência e, inclusivamente, «síndromes» de falta de memória.
A epidemia do narcisismo na Internet torna-se compatível com o cuidado extraordinário de proteger a intimidade.
A epidemia do narcisismo na Internet torna-se compatível com o cuidado extraordinário de proteger a intimidade.
Outro dos paradoxos da comunicação digital é a tensão entre o isolamento e a procura de contactos com amigos e contactos profissionais. Por um lado, algumas pessoas parecem refugiar-se em relações virtuais que substituem a conversa directa para pessoas com interesses e capacidades reduzidos. Por outro, aumenta-se o número de amizades e reforça-se a relação com os que estão mais próximo. Estaremos perante a autonomia ou perante a socialização? Se utilizarmos bem as tecnologias digitais, a nossa proximidade em relação aos outros aumentará. Estamos na presença de uma constante da comunicação humana, que encontra sempre novas maneiras de se expressar.
Às vezes, a distinção entre vida «online» e vida «offline» gera confusão. A vida «online» ou virtual é a vida real (embora não física)). Isto é, a vida «online» é tão real como a própria vida, ocasião de dualidade da personalidade e do exercício das virtudes (ou dos defeitos). Aqueles que mostram respeito na vida «offline», respeitam também a Web. A ‘Web’ é uma praça pública, em que nos reflectimos constantemente.
Por isso, também a etiquete é necessária na rede. Basta dar uma olhada aos comentários nos blogues, Twitter, Facebook ou YouTube para descobrir utilizadores que, sob o anonimato, proferem insultos, semeiam a discórdia e são mal-educados, hostis e enfurecidos. A rede é uma extensão das relações pessoais. Por isto, deve exigir-se comunicação franca e aberta, optimismo, cortesia, respeito e agradecimento e boa educação. Há, pois, uma revolução pendente: a revolução da amabilidade.
A avalanche de informação e a sua velocidade
A extraordinária abundância de informação é um problema crescente que afecta não só o consumo da comunicação e outros conteúdos, mas também a sua qualidade. Temos acesso a uma imensidão de dados, mas frequentemente, falta-nos o contexto e a possibilidade de interpretação. Ao aumento da quantidade de informação nem sempre corresponde a uma melhoria de conhecimentos.
Construímos grandes auto-estradas de informação, mas esquecemo-nos de ensinar a conduzir. Portanto, para uma maior quantidade de dados e notícias serão necessária mais prudência e maior capacidade selectiva. Reforça-se a necessidade de seleccionar a informação sem precipitações, procurando provas evidentes e sólidas e recorrendo às melhores fontes. Em si mesmo, a acumulação de dados não nos tornará mais sábios. Os utilizadores têm de ter a necessária capacidade de discernimento para seleccionar o menu adequado e dedicar o tempo oportuno. Ao mesmo tempo, o excesso de informação não é um problema, mas uma bênção para públicos que têm mais conteúdos disponíveis (frequentemente grátis). Desta forma podem expandir as suas possibilidades de acesso à informação, conhecimento e investigação.
As ferramentas da comunicação digital e móvel aumentaram a rapidez na transmissão de mensagens e notícias de última hora, tornando mais fácil a difusão global e a participação em tempo real em vários eventos. A velocidade da informação provoca efeitos apelativos em assuntos como a reputação das pessoas, a divulgação e pedidos de auxílio no caso de catástrofes naturais, em campanhas políticas, mobilizações sociais ou as crises económicas, conforme se tem vindo a confirmar desde 2009.
Ao mesmo tempo, a rapidez dá origem a erros de vulto, ajuda propagar rumores que podem ser letais para a reputação, pode dificultar a verificação e controlo de qualidade dos conteúdos. Na rede, todos são «jornalistas», mas poucos são editores. A velocidade já se torna imprescindível. Todavia, convém salientar a necessidade de uma reflexão a fim de evitar precipitações. É urgente, também, a exactidão e a qualidade.
Ao mesmo tempo, a rapidez dá origem a erros de vulto, ajuda propagar rumores que podem ser letais para a reputação, pode dificultar a verificação e controlo de qualidade dos conteúdos. Na rede, todos são «jornalistas», mas poucos são editores. A velocidade já se torna imprescindível. Todavia, convém salientar a necessidade de uma reflexão a fim de evitar precipitações. É urgente, também, a exactidão e a qualidade.
A epidemia do narcisismo
Outra das questões é a chamada «epidemia do narcisismo» que, for um tanto paradoxal, se torna, surpreendentemente, compatível com um zelo extraordinário para proteger a intimidade. A geração que alguns definiram como a «geração do YO» ou geração Y que procura incessantemente a «visibilidade». Com uma expressão muito significativa, nas redes sociais «criamos perfis», que se tornam, de certa maneira, versões melhoradas de nós próprios. Trata-se de um processo que não está isento de problemas que, ao mesmo tempo, que é parte do que dá a oportunidade de ter uma audiência global de «amigos» e seguidores.
A «nuvem» armazena uma grande quantidade de informação dos cidadãos: vídeos, fotos e textos. Com frequência perdemos a pista desses conteúdos, mas estão ali e podem reaparecer a qualquer momento, originando problemas de vária ordem. Não conservamos a «caixa de cartão» com as nossas palavras e imagens: perdemos a memoria e, até talvez, a capacidade de classificar. Por isso, surgem movimentos para que os consumidores possam apagar o seu historial online. Já se propõe abertamente o «direito de ser esquecido», seleccionando vídeos,
fotos e textos em função do respeito pela dignidade e a imagem dos consumidores que, as vezes, precisam também de mais conhecimentos para compreenderem os «riscos da transparência total».
fotos e textos em função do respeito pela dignidade e a imagem dos consumidores que, as vezes, precisam também de mais conhecimentos para compreenderem os «riscos da transparência total».
«Desconectar para conectar»
Estamos constantemente ligados ao mundo através do telemóvel, ao Twitter ou ao Facebook, ao endereço electrónico. Temos necessidade de estar na rede para acompanhar os amigos e familiares, ou manter contacto com as redes profissionais. Contudo, a ligação permanente também gera inquietações, dando a ideia de que as fronteiras tradicionais se desmoronam entre a vida profissional, a vida familiar e a da amizade. Entretanto, aparecem movimentos que propõem a «desconexão» e um estilo de vida mais «slow», mais calmo, que permita tirar o maior proveito das mensagens e conteúdos, encontrar verdadeiros espaços de amizade e descanso, conseguindo «desconectar para conectar.»
De certo modo, poder-se-ia falar de uma nostalgia do estar desligado, que se torna mais válido quanto mais inalcançável é. Na realidade, aquele que necessita da ligação permanente não poderá pôr em funcionamento projectos de certa dimensão e ficará limitado ao fluxo contínuo das novidades que, paradoxalmente, reduzirá a sua produtividade e eficácia.
Francisco J. Pérez-Latre, Professor agregado da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra
Aceprensa
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