Martin Mosebach (foto), de Frankfurt, começou a escrever depois de ter estudado jurisprudência na sua cidade natal. É um dos maiores autores contemporâneos da Alemanha. Católico convicto, além de compor roteiros e radionovelas, é conhecido pelos seus romances, reportagens e peças teatrais. Em 2007 ganhou o Prémio Georg Büchner, o maior reconhecimento literário para os autores de língua alemã.
A reportagem é de Guido Horst, publicada no sítio Vatican Insider, 10-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista
Desde a Idade Média até a secularização, em 1806, na Europa, estava em vigor o “Sacro Império Romano da Nação Germânica”. “Sacro”, “romano”, “germânico”: três epítetos coexistentes no mesmo nome. Tudo sugeriria que os alemães não tinham nenhum tipo de problema com a Roma dos papas…
O Império romano-germânico, que na verdade era uma união bastante branda, caracterizada fundamentalmente por uma espécie de fictio iuris, tinha a veleidade de ser o reino de todos os cristãos. O catolicismo esposou-se com uma ideologia política ou assumiu um papel político na Alemanha precisamente no Sacro Império Romano que, como uma mãe primorosa que protege seus próprios filhos, buscava manter unida sob a sua própria asa protetora a família das nações cristãs. Quantas vezes essa ideia foi objeto de troça! E quão tristemente se demonstrou a sua impotência ao longo da história!
Em todo caso, ninguém pode negar a ideia subjacente a esse império. As ideias mostram a sua vitalidade e o poder de moldar a imaginação, não tanto com a sua concretização; ao contrário, a realização infere muitas vezes o golpe mortal às ideias. O fato de que, uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial, três católicos (dois dos quais estão em curso os procedimentos de beatificação, Robert Schuman e Alcide de Gasperi), depois da inevitável secularização, retomaram nas mãos o sonho do Reino desejado por Carlos Magno e tentaram repropô-lo a uma opinião pública em grande parte laicista, envolvendo-o com motivações de ordem económica, foi também um eco irreprimível da ideia do Reino, de um legado, que desapareceu inexoravelmente.
A velha ideia do reino desapareceu ou fracassou. É essa a razão que gerou a aversão dos alemães ao catolicismo?
Embora esse ultra montanismo e hiper-nacionalismo católicos sejam típicos da Alemanha, também é verdade e inegável que essa atitude, tão difundida entre os alemães, e única em seu género entre as culturas europeias, pressupõe um stress e um desgaste que, de fato, não se foi capaz de sustentar. A Discordia Germaniae remonta aos tempos de Tácito. Desde o seu primeiro instante de existência cultural, a minha terra natal, a Alemanha, foi dividida em si mesma, entre a colónia romana, de um lado, e a terra dos bárbaros, de outro.
No instante em que se tomou consciência da essência alemã, daquele povo civil por antonomásia, e lhe foi dada uma denominação devida, já era inerente a ela o germe da discórdia incurável e do ódio suicida. Na história, essa predisposição se renovou ao longo dos séculos e foi cada vez mais veemente e impiedosamente rejeitada. “Vige uma aversão anticatólica”, como exorta um famoso ensaio de Carl Schmitt. Desde sempre, junto aos outros alemães, a fidelidade a Roma, o ultra-montanismo dos católicos alemães, devem ser contrastado com um ódio profundo contra Roma, uma auto complacência nacionalista.
Como se manifestou esse ódio contra Roma, ou melhor, que repercussões teve?
A Reforma de Martinho Lutero, que institucionalizou a guerra civil no meu país, a Guerra dos 30 Anos, a secularização, a Kulturkampf, o movimento Los von Rom (Livremo-nos de Roma), são as várias etapas de um processo nascido em seu tempo, ao qual devem ser atribuídos cada vez mais ataques por parte do mundo da ciência e da filosofia à Igreja de Roma.
Mas hoje em dia fala-se de um sentimento anti-romano ou anticatólico presente não só entre os protestantes, mas até mesmo entre os católicos alemães. Como isso é possível?
O novo aspecto que caracteriza a situação atual é o fato de que, na maior parte das regiões, não há mais uma frente oposta aos partidos cristãos, aos católicos pro-roma e aos protestantes anticatólicos, enquanto a grande maioria dos teólogos católicos e dos expoentes oficiais, também entre os leigos, se tornaram obstinados adversários de Roma.
O catolicismo pós-conciliar, promotor de valores ecuménicos compartilhados com os protestantes, entretanto, pôs-se à frente dos adversários de Roma. Até se poderia chegar a dizer que a hostilidade anti-romana neocatólica, até agora, é o único resultado real do movimento ecuménico pós-conciliar.
O ultra-montanismo, uma vez típico da Alemanha, agora se reduziu a uma exígua minoria que não tem nenhuma possibilidade de confronto e não goza de qualquer apoio dentro da Igreja Católica alemã e, junto aos teólogos especialistas, não tem a mínima perspectiva.
Falemos agora da visita de Bento XVI em setembro. Na sua carta aos bispos de todo o mundo depois do caso Williamson, o papa alemão falou de “hostilidade pronta ao ataque” em relação a ele. Por que a opinião pública alemã é tão “hostilmente pronta para atacar” quando se trata do seu próprio papa?
Um alemão como sucessor de Pedro é exatamente aquilo que desencadeou o potencial agressivo do processo do qual já falamos anteriormente. Um papa alemão da célebre fração ultra-montana, considerada já superada, deslocou as forças anti-romanas dentro do catolicismo alemão.
A visita do pontífice, programada para setembro, a meu ver, tem apenas um precedente (alternativa: paralelismo) histórico: a visita do Papa Pio VI ao imperador José II em Viena, para convencer o monarca a não suprimir todos os conventos nos domínios austríacos. A tentativa, como se sabe, fracassou, embora o imperador que queria submeter a Igreja ao controlo da autoridade estatal, nessa ocasião, teve que reconhecer o fato de que não podia vencer o catolicismo separando-o do papado. Mas a presença do papa, por si só, já bastou para mover os corações do “povo”, indistintamente das pessoas do campo e da cidade, que, para enorme desapontamento do imperador, acorreu em massa para invocar a bênção do Bispo de Roma.
É, assim, loucura esperar que a Igreja alemã do século XXI, cujos expoentes tanto se esforçam para favorecer o “diálogo” abominável para a fundação de uma Igreja Nacional, também renove a recordação dos seus antigos sentimentos ultra-montanos e simplesmente mostre ao seu Pastor que quer ser católica com o papa e não contra ele? Ou talvez o Papa Bento, que é um grande patriota, deverá reconhecer que, para um papa alemão, não há terra mais estranha e distante do que a sua terra natal? *
Fonte: blogue ‘Frartres in Unum.com’ AQUI
*Nota ‘Spe Deus’:
«Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa» (Mc 6, 5)
Texto editado e adaptado por JPR
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