São muitas as denominações da pobreza, mas seguramente avulta, com todas as consequências nefastas, a que diz respeito à alimentação.
É por isso que, para tornar evidente a prioridade desta exigência básica, Don Reeves, em vez de perder tempo a construir conceitos, preferiu passar à enumeração das evidências. Organizou por isso esta série: a pobreza é a falta de leite de mãe por falta de alimentação ou crianças demasiadamente esfomeadas para estarem atentas na escola; pobreza é viver em multidão sob um pedaço de plástico em Calcutá, amontoado numa barraca durante uma tempestade em São Paulo, ou sem casa em Washington, D. C.; pobreza é ver o filho morrer por falta de uma vacina que custa cêntimos e por nunca ter sido visto por um médico; pobreza é um boletim de inscrição que o interessado não sabe ler, um pobre professor numa decrépita escola, ou a completa falta de escola; pobreza é sentir-se desamparado, sem dignidade ou esperança.
Esta importância básica do direito à alimentação, que não é difícil relacionar com o direito à vida, mesmo antes de lhe acrescentar a exigência da vida com dignidade, está reconhecida na chamada segunda geração de direitos humanos, e expressa nas disposições dos artigos 22.º a 26.ª da Declaração de Direitos quando afirma: "Todo o homem tem direito a um nível de vida adequado à saúde e ao bem-estar de si próprio e da sua família, incluindo alimentação, vestuário, casa e assistência médica e necessários serviços sociais, e o direito à segurança no caso de desemprego, doença, incapacidade, velhice e outra falta de recursos em circunstâncias que ultrapassem o seu controlo".
Na indagação feita por Michael T. Snarr e D. Neil Snarr (2002), é concluído que a deficiente nutrição é responsável pela morte de número incalculável de crianças na área da geografia da fome, frequentemente por causa das guerras, e praticamente, nessa data tão próxima, na área de pobreza, então ainda toda ao sul do globo, com um número superior na Ásia, sendo que um terço das crianças de menos de cinco anos de idade dos países chamados em desenvolvimento contribui para o total dos mortos. Estas indagações, enriquecidas com mais perspectivas e conclusões, obrigam a repensar no alargamento das fronteiras da pobreza, agora a norte do Mediterrâneo, e a considerar a urgência de intervenções que evitem a inclusão, na sequência da deslocação da fronteira, de efeitos semelhantes.
E uma das observações relevantes do conjunto de ensaios que nessa data foram recolhidos numa meditação introdutória aos Global Issues (Lynne Rienner Publishers, Inc.) é a que salienta o papel insubstituível da agricultura para enfrentar este desafio global. Em primeiro lugar, apelando aos governos para interpretarem com largueza de vistas os direitos das crianças, em todos os domínios mas com especial atenção à questão da alimentação, e não olhando ao facto de a convenção sobre os direitos das crianças ter ou não ter sido ratificada, mas olhando responsavelmente para os factos para além das palavras da convenção. Depois, para além das leis e dos recursos orçamentais destinados a esse dever do Estado social, apelando ao instinto humanitário e a um sentido de responsabilidade mundializado, porque "não existe um firme sentimento de obrigação assumida a nível mundial".
A infeliz crise em curso alarga estes deveres e inquietações para além das crianças, e o recurso à agricultura é insistentemente recomendado para que o aumento do desemprego, a queda súbita da qualidade de vida das famílias, o enfraquecimento da protecção dos velhos e dos incapazes, a substituição do valor das coisas pelo preço das coisas, a transformação da perspectiva do direito ao apoio da comunidade na perspectiva de avaliação dos custos financeiros, aconselham a reavaliar, sobretudo nas novas regiões da pobreza, a organização e eficácia das "fontes de esperança e compaixão". Quando antes se concluía que a expansão da pobreza é um enorme obstáculo à organização de um mundo melhor, falava-se a partir de um norte afluente e consumista que viu subitamente reduzido o seu território, e talvez a sua esperança. Necessita de aumentar o sentido de responsabilidade.
Adriano Moreira in DN online AQUI
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