O relativismo
pode parecer positivo, na medida em que convida à tolerância, a reconhecer o
valor dos outros, a relativizar-se a si mesmo, a facilitar a convivência entre
as culturas. Mas se se transforma num absoluto, converte-se numa contradição,
destrói o agir humano e acaba mutilando a razão. Passa-se a considerar
aceitável somente o que pode ser calculado ou demonstrado no âmbito das ciências,
que se convertem assim na única expressão da racionalidade: o resto seria subjectivo.
Se se relegam para a esfera da subjectividade as questões humanas essenciais,
as grandes decisões sobre a vida, a família, a morte, a liberdade compartilhada,
então já não há critérios. Todo o homem pode e deve agir apenas segundo a sua
consciência.
Mas a
"consciência" transformou-se, modernamente, numa divinização da subjectividade,
ao passo que, para a tradição cristã, é o contrário: a convicção de que o homem
é transparente e pode sentir em si mesmo a voz da razão fundante do mundo. É urgente
superar esse racionalismo unilateral, que amputa e reduz a razão, e chegar a uma
concepção mais ampla dessa mesma razão, que foi criada não apenas para poder "fazer",
mas para poder "conhecer" as realidades essenciais da vida humana.
Chego agora ao
problema de saber se a tradição cristã é compatível com o conceito de liberdade
desenvolvido na modernidade, no laicismo. Penso que é muito importante superar
um mal entendido conceito individualista para o qual só existe, como portador da
liberdade, o sujeito, o indivíduo. É uma afirmação errada do ponto de vista antropológico,
porque o homem é um ser finito, um ser criado para conviver com os outros. Em
consequência, a sua liberdade deve ser necessariamente uma liberdade compartilhada,
de modo que se garanta a liberdade para todos. Isto implica a renúncia à absolutização
do "eu" e a existência do direito comum, da autoridade. É um grande
erro considerar a autoridade como oposta à liberdade. Na realidade, uma
autoridade bem definida é a condição da liberdade.
(Cardeal Joseph Ratzinger in colóquio com
o historiador Ernesto Galli delia Loggia, Centro do Orientação Política, Roma,
25.10.2004, transcrito no Il Foglio, 27-28.10.2004)
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