Na recente conferência de Pedro Afonso "A tristeza é sempre sinal de depressão?", o psiquiatra respondia negativamente. A tristeza é um estado passageiro, que não deve confundir-se com a doença, que precisa do correspondente acompanhamento clínico. Portugal é o país europeu que mais consome anti-depressivos, receitados muitas vezes por médicos de família, que não têm a mesma competência no diagnóstico da depressão que um psiquiatra. Um especialista australiano desenvolve este tema, ensaiando também uma explicação cultural e não só uma solução com fármacos.
Será a cultura contemporânea terreno fértil para a epidemia da depressão?
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Talvez uma das questões menos útil a colocar a uma pessoa com depressão: "porque estás deprimido?" - seja no entanto a questão que mais sentido faz colocar.
Segundo a Organização Mundial de Saúde a depressão é a principal causa mundial de incapacidade em termos de "Years Lived with Disability - YLD" ("Anos Vividos com Incapacidade") e o quarto maior contribuidor no conjunto de doenças opressivas medido noDisability Adjusted Life Years (DALYs -" A soma de anos potenciais de vida perdidos devido à mortalidade prematura e os anos de vida produtiva perdidos devido a invalidez.")
No entanto, a "depressão" não é uma condição homogénea. É antes sintoma de uma série de doenças e pode surgir devido a várias causas, tanto físicas como psicológicas. Nenhuma dessas causas é aparente ou óbvia para o sofredor o que confere a este estado potencialmente debilitante uma nuvem de mistério. Tal como o 'Black Dog 'de Churchill, podemos até atribuir metáforas sinistras a esta coisa inefável que vai e vem de acordo com sua própria lógica. O "porquê " da depressão é de facto a questão fundamental, não só na busca de tratamento e alívio, mas também para o próprio sofredor que procura compreendê-la e controlá-la. Saber porque se está deprimido deve pelo menos retirar a este estado algum do seu mistério e poder.
Temos tendência a pensar na depressão como um problema do tempo actual, e portanto parece natural procurar soluções actuais. Mas além de procurar os melhores tratamentos médicos e psicológicos não nos fará mal investigar algumas das opiniões pré-modernas sobre a natureza da depressão. Para mim são de particular interesse os pensamentos e as razões do filósofo do século XIII: Tomás de Aquino. Vamos, portanto, ver o que o " Dumb Ox" tinha a dizer sobre o "Black Dog".
Pode causar-nos surpresa saber que apesar de viver no século XIII Tomás de Aquino conhecia o termo "depressão", ou o seu equivalente em latim (aggravatio: desanimado, "em baixo"), com o mesmo sentido geral com que a conhecemos hoje:
"A alma, por estar deprimida e por se achar incapaz de atender livremente às coisas exteriores, retira-se para si mesma, fechando-se."
Não só estava Tomás de Aquino ciente da existência da depressão como também a estudou:
"Os efeitos das paixões da alma são por vezes apelidadas metaforicamente... e assim o fervor é atribuído ao amor, a expansão ao prazer, e a depressão à tristeza. Por isso diz-se que um homem está deprimido por estar impedido de um movimento próprio causado por um peso."
Logo à partida, Tomás de Aquino apresenta uma acuidade que está ausente das discussões actuais sobre a depressão. Ele identifica imediatamente que o termo "depressão" é utilizado apenas metaforicamente para descrever o estado em que a pessoa se encontra. O significado original de depressão é o de estar a ser "pressionado" por alguma coisa, como quando a pessoa está fisicamente sob o peso de um objecto pesado. Tomás de Aquino diz-nos que a realidade psicológica por detrás da metáfora é de facto "sofrimento". Esta observação transfere a discussão do misterioso elemento chamado "depressão" para a muito mais familiar condição psicológica que conhecemos como "tristeza". Tomás de Aquino continua, explicando a função de "tristeza":
"A tristeza é causada por um mal presente; e este mal, pelo simples facto de ser oposto ao movimento da vontade, deprime a alma na medida em que a impede de usufruir o que ela deseja desfrutar."
É importante observar a este ponto que Tomás de Aquino se refere ao "mal" num sentido geral, como qualquer coisa contrária ou prejudicial ao bem. Isto incluiria o "mal físico", como lesões e doenças, bem como o "mal moral", e ainda mais genericamente circunstâncias maléficas como a desgraça e o fracasso. Tomás de Aquino explica que a tristeza é a nossa resposta natural à presença de algum mal ou doença, e que o grau dessa tristeza é inversamente proporcional à nossa confiança de conseguir evitar ou superar esse mal. Pelo que conclui:
"Se por outro lado a força do mal é tal que elimine qualquer esperança de lhe conseguir escapar, então até o movimento interior da alma aflita fica totalmente preso, de tal forma que não consegue pô-lo de parte de forma alguma. Por vezes até o movimento externo do corpo é paralisado, de tal maneira que um homem fica completamente estupidificado."
A depressão é o efeito da tristeza, e a tristeza é a resposta natural a um mal que está presente. Quanto mais forte o mal, menor a nossa esperança de o conseguir evitar e então maior a nossa tristeza e depressão. A questão para muitos casos actuais de depressão é que nós não estamos - colectivamente ou individualmente - cientes de tais causas "maléficas" nas nossas vidas.
Significa isto que a depressão como a conhecemos actualmente entra em confronto com a definição de Tomás de Aquino? Ou estamos nós distraídos ou esquecidos dos "males" de que Tomás de Aquino nos fala?
Como "homem da ética" tenho que concordar com aqueles que suspeitam que a "vida moderna" é de alguma forma contrária à felicidade humana, e que nós estamos de facto esquecidos de como esses males nos afectam. Tendo nós abandonado o entendimento do bem e do mal que nos havia sido entregue pelas anteriores gerações, como poderemos nós determinar por nós próprios os ingredientes necessários para uma vida humana feliz e realizada? Como podemos nós identificar as deficiências existentes na nossa forma de viver, sem uma descrição objectiva das coisas que nos deveriam preencher?
Tendo eu testemunhado esta iliteracia no contexto da ética não constitui surpresa ver as suas repercussões neste aspecto da vida humana.
Consideremos uma breve lista dos bens que a ética tradicional defende como sendo os ingredientes básicos para uma vida humana realizada e feliz: vida (incluindo saúde, e a provisão de necessidades básicas como alimento, protecção, roupa e meio de transporte), amizade, família, trabalho, casamento, descendência, conhecimento da verdade, apreciação da beleza, integridade, respeito pelos outros, amor ao próximo, e até crença e prática religiosa. Tem sido demonstrado ao longo da história da humanidade que cada uma destas coisas (e esta não é uma lista fechada) proporciona uma forma de realização irredutível e insubstituível.
Se quisermos levar a análise de Tomás de Aquino sobre a depressão até às suas conclusões lógicas, poderíamos começar por considerar quão bem ou quão na verdade estão cada um dos bens dessa lista incorporados nas nossas vidas. As tentativas contemporâneas para lidar com a depressão encaixam nesta visão, seja cuidando melhor o sono, a nutrição, o exercício e passando tempo com os amigos, ou através de tratamentos psicológicos, como a terapia de conhecimento do comportamento, que ajuda a quebrar falsos e contraproducentes hábitos do pensamento.
Na verdade, Tomás de Aquino subscreve estas abordagens para tratamento da depressão sob o princípio geral de que: "todo o prazer traz alívio por amenizar qualquer tipo de tristeza". É importante notar que Aquino define prazer como o gozo de um bem adequado, que é muito diferente do conceito moderno de prazer. Para ele, segue que o gozo da amizade é uma forma adequada de prazer, capaz de diminuir a tristeza e a depressão:
"Quando uma pessoa está em sofrimento, é natural que a simpatia de um amigo lhe traga consolação"
Tomás de Aquino defende também o sono e os banhos para o alívio do estado de tristeza, observando que:
"Tudo o que devolve a natureza corporal ao seu devido estado de movimento vital, opõe-se à tristeza e alivia-a."
A recomendação que faz aos "remédios corporais" podia até ser tomada como princípio de apoio para algumas formas de medicação anti-depressiva:
"Além do mais tais remédios causam prazer, pelo simples facto de poderem trazer a natureza de volta ao seu estado normal; porque é isto precisamente em que consiste o prazer, como afirmado acima. Portanto, uma vez que o prazer ameniza o sofrimento, o sofrimento é amenizado por tais remédios corporais."
Mas Tomás de Aquino reserva a sua mais alta recomendação para o prazer implícito na contemplação da verdade:
"O maior de todos os prazeres consiste na contemplação da verdade. Ora, todo o prazer alivia a dor como acima foi dito: logo a contemplação da verdade ameniza a dor e o sofrimento, e tanto mais perfeitamente quanto mais se é um amante da sabedoria. E portanto no meio das tribulações os homens regozijam na contemplação das coisas divinas e da futura Felicidade."
É difícil ler estas palavras finais sem reflectir imediatamente na posição que ocupa a "verdade" na cultura Ocidental contemporânea. Muitos casos de depressão têm uma componente física e respondem bem a tratamentos com medicamentos. Mas certamente outros factores devem ser considerados se estamos de facto perante uma epidemia.
Se a contemplação da verdade é o nosso maior prazer e também um remédio para o sofrimento e depressão, não devíamos estar surpreendidos com a prevalência e crescimento de estados de depressão numa sociedade que tem tudo mas abandonou o conceito de verdade em várias áreas pragmáticas como direito, finanças e ciências. Amizade, nós podemos aceitar; dormir melhor e um banho longo é incontroverso. Mas... verdade ? "- O que é isso?", como alguém disse há cerca de 2.000 anos atrás.
Portanto é improvável que a contemplação da verdade, ou outros bens básicos sejam promovidos como a solução da depressão num futuro próximo - a não ser que possam ser empacotados e vendidos em tablete, ou de alguma forma explorados através das lentes de ensaios clínicos. Mas até então, estaremos nós equipados para encontrar uma solução para o fenómeno puzzle da depressão no meio da abundância do século XXI?
Zac Alstin (trabalha no Southern Cross Bioethics Institute in Adelaide, South Australia.)
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Artigo publicado no original em www.mercatornet.com
Aceprensa
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