ORAÇÃO HUMILDE E PERSEVERANTE – A cura da filha da mulher cananeia. Condições da verdadeira oração. – Confiança de filhos e perseverança nas nossas petições. – Na oração, devemos pedir graças sobrenaturais e também bens e ajudas materiais. Pedir para os outros. O Rosário, “arma poderosa”.
I. DIZ-NOS SÃO MARCOS no Evangelho da Missa de hoje que, tendo Jesus chegado com os seus discípulos à região de Tiro e Sidon, aproximou-se deles uma mulher pagã, de origem sírio-fenícia, pertencente à primitiva população da Palestina1. Lançou-se aos pés do Senhor e pediu-lhe a cura da sua filha, que estava possuída pelo demónio. Jesus escutou o pedido mas não disse nada, e os discípulos, cansados da insistência da mulher, pediram-lhe que a despedisse2. O Senhor tratou então de explicar à mulher que o Messias devia dar-se a conhecer em primeiro lugar aos judeus, aos filhos. E, com uma expressão difícil de compreender sem ter presente a sua compostura sempre amável, disse-lhe: Deixa que primeiro se saciem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos. A mulher não se sentiu ferida nem humilhada, antes insistiu ainda mais, com profunda humildade: Sem dúvida, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. Diante de tanta virtude, Jesus, comovido, não adiou mais o milagre que a sírio-fenícia lhe pedia e despediu-a com estas palavras: Por isto que disseste, vai-te, o demónio saiu da tua filha. Deus, que resiste aos soberbos, dá a sua graça aos humildes3; aquela mulher alcançou o que queria e conquistou o coração do Mestre. É o exemplo perfeito que devem ter diante dos olhos todos aqueles que desistem de rezar por julgarem que não são escutados. Nessa atitude relatada pelo Evangelho, acham-se reunidas as condições de toda e qualquer oração de petição: fé, humildade, perseverança e confiança. O intenso amor daquela mulher pela filha possuída pelo demónio deve ter agradado muito a Cristo. E os próprios Apóstolos voltaram certamente a lembrar-se dessa mulher quando ouviram mais tarde a parábola da viúva importuna4, que também conseguiu o que queria pela sua teimosia, pela sua insistência. A verdadeira oração é infalivelmente eficaz porque – como diz São Tomás – Deus, que nunca se desdiz, decretou que fosse assim5. E para que não deixássemos de pedir, o Senhor incutiu-nos essa certeza com exemplos simples e claros: Se entre vós um filho pede pão ao pai, porventura lhe dará ele uma pedra? Ou, se lhe pede um peixe, dar-lhe-á, em vez do peixe, uma serpente?... Quanto mais vosso Pai que está nos céus...6 “Deus nunca negou nem negará nada aos que pedem as suas graças da forma devida. A oração é o grande recurso que temos para sair do pecado, para perseverar na graça, para tocar o coração de Deus e atrair sobre nós todo o tipo de bênçãos do céu, tanto para a alma como para as nossas necessidades temporais”7. Sempre que peçamos a Deus algum dom, devemos pensar que somos seus filhos, e que Ele está infinitamente mais atento a nós do que o melhor pai da terra pode estar em relação ao mais necessitado dos seus filhos. II. TEMOS TANTA NECESSIDADE de pedir para conseguir a ajuda de Deus, para fazer o bem, para perseverar na sua prática, como tem o agricultor de semear para depois colher o trigo8. Sem sementeira, não há espigas; sem petição, não teremos as graças que devemos receber e que Deus previu desde toda a eternidade. Há ocasiões em que o Senhor nos faz esperar porque quer preparar-nos melhor, porque quer que desejemos essas graças com mais profundidade e fervor; como há ocasiões em que não nos concede o que lhe pedimos porque, talvez sem nos apercebermos disso, estamos pedindo um mal que a nossa vontade revestiu com a aparência de bem. Uma mãe não dá ao seu filho uma faca afiada que brilha e atrai, e que a pequena criança deseja apaixonadamente. Ora nós somos como um filho pequeno diante de Deus. Quando pedimos uma coisa que seria um mal, ainda que tenha a aparência de um bem, Deus faz como as boas mães com os seus filhos pequenos: dá-nos outras graças que serão realmente para o nosso bem, ainda que pela nossa visão curta as desejemos menos. Portanto, a nossa oração deve ser confiante, como quem pede a um pai, e serena, porque Deus conhece as necessidades que temos muito melhor que nós mesmos. A confiança move-nos a pedir com constância, com perseverança, sem parar, insistindo repetidas vezes, com a certeza de que receberemos muito mais e melhor do que pedimos. Devemos insistir como o amigo importuno que não tinha pão, ou como a viúva indefesa que clamava dia e noite perante o juiz iníquo. Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Porque todo aquele que pede recebe, e quem busca acha, e àquele que bate abrir-se-lhe-á9. A própria perseverança na petição aumenta a confiança e a amizade com Deus. “E esta amizade produzida pela oração de petição abre caminho a uma súplica ainda mais confiante [...], como se, tendo sido introduzidos na intimidade divina pela primeira petição, pudéssemos implorar com muito mais confiança na vez seguinte. Por isso a constância, a insistência na oração dirigida a Deus, nunca é importuna. Antes pelo contrário, agrada a Deus”10. A mulher cananeia é um exemplo de constância que devemos imitar, ainda que aparentemente o Senhor não a escute. Santo Agostinho ensina que às vezes a nossa oração não é escutada porque não somos bons, porque nos falta pureza no coração ou rectidão na intenção, ou porque pedimos mal, sem fé, sem perseverança, sem humildade; ou ainda porque pedimos coisas más, isto é, o que não nos convém, o que nos pode fazer mal ou desviar-nos do nosso caminho11. Quer dizer, a oração não é eficaz quando não é verdadeira oração. Mas, quando é autêntica, “em que negócio humano te podem dar mais garantias de êxito?”12 Em verdade vos digo que, se tiverdes fé, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá13. III. LIVRAI-NOS DE TODOS OS MALES, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos...14, reza o sacerdote em voz alta durante a Missa. Na oração de petição, podemos solicitar coisas para nós mesmos e para os outros; em primeiro lugar, os bens e as graças necessárias à nossa alma. Ainda que sejam muitas e urgentes as limitações e privações materiais, temos sempre mais necessidade dos bens sobrenaturais: da graça para podermos servir a Deus e ser-lhe fiéis, da santidade pessoal, de ajuda para vencermos um defeito, para nos confessarmos bem, para nos prepararmos para a Sagrada Comunhão... Quanto aos bens temporais, pedimo-los na medida em que são úteis à nossa salvação e se subordinam a esse fim. O primeiro milagre que Jesus fez – o das bodas de Caná, a pedido de sua Mãe – e pelo qual se manifestou aos seus discípulos15, foi de tipo material. E, no entanto, Maria, “manifestando ao Filho com delicada súplica uma necessidade temporal, obteve também um efeito de graça: realizando o primeiro dos seus «sinais», Jesus confirmava os discípulos na fé em Cristo”16. Pela unidade que há entre todos os aspectos da nossa vida, os bens de carácter material redundam de algum modo na glória de Deus. O milagre de Caná anima-nos e move-nos a pedir também graças de cunho temporal, mas sem nos esquecermos da advertência de São Gregório Magno: “Uma pessoa pede a Deus na oração que lhe conceda por esposa uma mulher à medida do que deseja, outro pede uma casa de campo, outro uma roupa, outro alimentos. Devemos realmente pedir essas coisas a Deus Todo-Poderoso quando nos forem necessárias; mas devemos ter sempre presente na nossa memória o preceito do nosso Redentor: Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e o resto vos será dado por acréscimo (Mt 6, 33)”17. Não dediquemos o melhor da nossa oração a pedir só os “acréscimos”. É também muito grato a Deus que lhe peçamos graças e ajudas para os outros, e que encareçamos a outras pessoas que rezem por nós e pelas nossas iniciativas apostólicas: “«Reze por mim», pedi-lhe como faço sempre. E respondeu-me espantado: «Mas está-lhe acontecendo alguma coisa?» “Tive de esclarecer-lhe que a todos nos acontece ou ocorre alguma coisa em qualquer instante; e acrescentei-lhe que, quando falta a oração, «passam-se e pesam mais coisas»”18. E a oração consegue evitá-las e aliviá-las. A nossa oração deve estar repassada de abandono em Deus e de profundo senso sobrenatural, pois – diz João Paulo II – trata-se de cumprir a obra de Deus, não a nossa. Trata-se de cumpri-la segundo a sua inspiração e não segundo os nossos sentimentos19. A Virgem Nossa Senhora rectificará todas as nossas petições que não sejam inteiramente rectas, para que obtenhamos sempre o melhor. O Rosário é uma “arma poderosa”20 para alcançarmos de Deus tantas ajudas de que necessitamos diariamente, quer para nós, quer para as pessoas por quem pedimos. Senhor, nosso Deus, concedei-nos sempre a saúde da alma e do corpo, e fazei com que, pela intercessão da Virgem Maria, libertados das tristezas presentes, gozemos das alegrias eternas21. (1) Mc 7, 24-30; (2) Mt 15, 23; (3) 1 Pe 5, 5; (4) Lc 18, 3 e segs.; (5) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 83, a. 2; (6) cfr. Lc 11, 11-13; (7) Cura d’Ars, Sermão para o quinto domingo depois da Páscoa; (8) cfr. R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, pág. 500; (9) Lc 11, 9-10; (10) São Tomás, Compêndio de Teologia, II, 2; (11) cfr. Santo Agostinho, Sobre o sermão do Senhor no monte, II, 27, 73; (12) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 96; (13) Jo 16, 23; (14) Missal Romano, Ordinário da Missa; (15) cfr. Jo 2, 11; (16) Paulo VI, Exort. Apost. Marialis cultus, 2-II-1974, 18; (17) São Gregório Magno, Homilia 27 sobre os Evangelhos; (18) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 479; (19) cfr. João Paulo II, Aos bispos franceses em visita “ad limina”, 21-II-1987; (20) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 558; (21) Missal Romano, Missa votiva de Nossa Senhora. Oração colecta.
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