Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

domingo, 5 de setembro de 2010

Foi longo, terrivelmente longo

A imagem de dois jovens que decidiram falar à Comunicação Social fica-nos na memória. As imagens fortes, aquelas inesquecíveis, são as lágrimas de Pedro Namora e a voz serena dos dois jovens que nos levam a imaginar o que vai na alma de todas as outras vítimas que estavam sentadas no tribunal e as outras.

Não conheço a sentença, nem o processo, nem sou jurista. Mas o excesso da presença dos réus e dos advogados dos réus nas televisões foi verdadeiramente insuportável. Não sei se tal espectáculo aconteceria em algum país democrático - nos anglo-saxónicos era impensável! O destaque dado em quase exclusivo (ressalva-se a SIC Notícias) foi o absoluto desrespeito pelo sofrimento das vítimas, pelo trabalho do tribunal e uma falta de bom senso que é dificilmente entendível.

Um facto ficou claro para qualquer observador: neste caso, a sentença chegou aos réus e advogados no momento certo e no local devido - a sala do tribunal e não nas páginas de jornais, como lamentavelmente tem acontecido. Não houve qualquer fuga de informação e imagina-se a pressão e os métodos usados, olhando para o que se passou naquele dia.

Depois de tudo visto e olhado até ao limite do suportável, são três as pessoas que não podem deixar de ser recordadas neste caso pela coragem e frontalidade que revelaram.

Em primeiro lugar, Felícia Cabrita. A jornalista Felícia Cabrita tem sido ao longo dos anos a (quase) única jornalista de investigação portuguesa que dá voz a casos de que outros teriam medo. Uma imprensa livre não é apenas uma imprensa sem censura prévia. Uma imprensa livre pressupõe jornalistas de investigação capazes de trazer à luz do dia os casos incómodos de poderosos. Neste processo, conseguiu-se que o hediondo crime de pedofilia deixasse a impunidade e fosse visto como inevitável, numa instituição de menino pobres e marginalizados socialmente.

Em segundo lugar, deve ser recordado o Mestre Américo, o relojoeiro professor da Casa Pia que nunca pactuou com o abuso dos miúdos e que, ao longo dos anos, sofreu por isso inadmissíveis represálias profissionais. Mestre Américo não só se apercebeu do que se passava com aqueles meninos como tentou agir apoiando-os e tentando denunciar a situação muitos anos, demasiados anos, em vão. Mestre Américo, que criou uma notável escola de formação de relojoeiros em cooperação com entidades suíças, encontra-se actualmente reformado por ter sido impedido de continuar o seu trabalho reconhecido internacionalmente.

Em terceiro lugar, Pedro Namora. As lágrimas, que lhe vimos várias vezes nestes longos oito anos, lembraram sempre que, apesar do mediatismo dos réus, havia vítimas. Havia as vítimas deste processo e muitas outras que passaram na Casa Pia. Pedro Namora foi a voz deles.

Para mim, pessoalmente, mais importante do que saber de quantos anos foram as penas, se foram condenados a sete ou cinco anos, ou o que está escrito nas milhares de páginas daquele processo, foi saber que, no mesmo dia em que a sentença foi lida, dois jovens, das trinta e duas vítimas que fazem parte do processo, souberam nesse dia, como muitos outros milhares de jovens, que tinham entrado para a universidade.

A imagem de dois jovens que decidiram falar à Comunicação Social fica-nos na memória. As imagens fortes, aquelas inesquecíveis, são as lágrimas de Pedro Namora e a voz serena dos dois jovens que nos levam a imaginar o que vai na alma de todas as outras vítimas que estavam sentadas no tribunal e as outras.

Passados estes anos em que as televisões nos encheram de imagens dos condenados até ao absoluto enjoo e sem o mínimo respeito pelas vítimas, respira-se de alívio. As reportagens das férias dos réus, dos estados de alma, dos projectos de vida eram absolutamente despropositadas e chocantes quando decorre um processo com vítimas, vítimas de vida marcada para sempre pela desgraça que as leva a ter uma instituição como casa. E, como se não bastasse, são internadas numa casa onde impera a impunidade das mais brutais violências contra crianças abandonadas pela sorte. Tentou-se durante estes anos mostrar que os réus tinham vidas normais e que as vítimas eram vítimas porque mereciam sê-lo pelos seus comportamentos de risco.

Zita Seabra

(Fonte: JN online)

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