Passava já muito tempo que caminhava sozinho.
Os seus companheiros tinham ficado para trás, perdidos nos seus problemas. Eles que os resolvessem, porque ele não tinha tempo para isso.
Também, pensou ele, não me fazem falta, o caminho é fácil e posso muito bem fazê-lo sozinho.
O caminho, até onde podia enxergar, era largo e sem obstáculos, a não ser pequenas coisas que ele com facilidade ultrapassava.
Com a sua força, com a sua vontade, confiava plenamente, que por si só, chegaria ao fim da caminhada, sem problemas.
Para quê ajudas, conselhos ou provas de amizade e amor. Afinal só empatavam quem queria andar e ele confiava absolutamente nas suas capacidades.
Não tinha dúvidas que alcançaria o prémio final, no fim da sua caminhada. Cada um por si, e quem não pensava assim ficaria com certeza para trás, arrastando os mais lentos, os mais pesados e fracos.
Continuou a andar. Cantarolava, pois a vida corria-lhe bem e sem problemas.
Ao longe, qualquer coisa surgia, parecendo interromper o caminho, mas pensou com as suas certezas: “Até é bom um obstáculo, para dar sabor à caminhada”.
À medida que se aproximava, ia percebendo que a interrupção no caminho era larga e também, que nesse lugar já se encontrava alguém.
Ao chegar perto, deu conta do obstáculo que tinha pela frente. Era um rio que corria veloz, separando em duas margens o caminho que percorria.
Reparou ainda, que nesse sitio já estava um homem, que olhava para o rio, sem saber como passar para o outro lado.
Nesse momento apercebeu-se com medo e angústia, que aquele obstáculo era para ele intransponível, pois para além de não saber nadar e talvez por isso mesmo, tinha medo de entrar na água nos rios ou nos mares.
Perguntou àquele que ali estava a seu lado:
«Não há pontes sobre este rio, aqui perto»?
Ao que o outro respondeu:
«Ao que sei, num raio de muitas centenas de quilómetros, não há qualquer ponte».
Perguntou então, confiante na sua boa sorte:
«E barcos, haverá barcos aqui perto»?
Respondeu o outro:
«Infelizmente, ao que sei, ao longo dos muitos quilómetros deste rio, não há qualquer barco».
Perguntou ainda, com uma réstia de esperança:
«Mas o rio é com certeza pouco fundo, pode atravessar-se a vau»?
O outro respondeu:
«Já experimentei e em poucos passos verifiquei que o rio é profundo e a corrente tem alguma força, motivo pelo qual, embora saiba nadar, tive medo de o atravessar sozinho».
Sentiu-se desesperar. Seria que ao fim de tanto tempo, de tanto caminho percorrido, de tantas vitórias, não seria capaz de transpor este obstáculo e continuar a sua caminhada.
Chamou a si toda a sua força de vontade, todas as suas capacidades e forças e obrigou-se a ultrapassar todos os seus medos, todas as suas angústias, todas as suas incertezas, mas infelizmente o medo da água, a angústia de não ser capaz, a incerteza de não saber como fazer tomaram conta dele.
Deu-se conta, então, de que por si só, sozinho, não seria capaz de ultrapassar aquele obstáculo.
Desejou naquela altura que os seus antigos companheiros estivessem junto dele, pois para além de naquele momento se sentir sozinho perante as suas incapacidades, parecia-lhe que se eles ali estivessem, o ajudariam a encontrar uma solução para o problema.
Olhou para o lado e viu o outro absorto em pensamentos, olhando para o rio e para a outra margem.
Decidiu perguntar-lhe, vencendo um pouco do seu orgulho:
«Vê alguma maneira de podermos atravessar este rio»?
O outro olhou demoradamente, ora para o rio, ora para si e respondeu pausadamente:
«Uma coisa é certa, cada um por si, sozinho, nunca conseguirá atravessar este rio, pois o meu amigo não sabe nadar e eu tenho medo de com a força da corrente, não conseguir atravessar e ser arrastado pelas águas».
Pensou um pouco e disse:
«Tenho uma corda no meu saco e assim proponho o seguinte: Eu ato a corda à minha cintura e vou tentar atravessar o rio a nado. Ao mínimo sinal de perigo para mim, o meu amigo puxa acorda e resgata-me das águas do rio.
Se eu conseguir atravessar, ato a corda numa das árvores da outra margem, enquanto o meu amigo a ata numa árvore desta margem e então servindo-se da corda já poderá atravessar o rio».
Disse-lhe ainda:
«Repare que vou colocar a minha vida nas suas mãos, enquanto o meu amigo coloca a sua confiança em mim. Acredita, assim, que eu em chegando à outra margem, atarei a corda à árvore, permitindo que atravesse o rio e continue a sua caminhada».
Conversaram mais um pouco e chegaram à conclusão que não havia outra alternativa a não ser a proposta.
O homem atou então a corda à cintura, deu a outra ponta ao caminhante e lançou-se à água.
A corrente, com alguma força, logo o arrastou uns bons metros rio abaixo, mas o homem voltando-se para a margem fez-lhe um gesto confiante e dizendo que estava tudo bem, continuou a nadar.
Veio à sua mente uma ideia, um sentimento que nunca tinha experimentado:
“Tinha nas suas mãos a vida daquele homem e dependia daquele homem para continuar a caminhada, que era a sua razão de viver”.
Isso abalou as suas estruturas, pois percebeu então, que sozinho não poderia fazer tudo e que a sua caminhada também dependia de outros, para além dele.
Prestou atenção ao outro e reparou que, com grande força de vontade, ia vencendo a corrente e já estava prestes a chegar à outra margem.
Outro sentimento novo tocou o seu coração: “Estava contente com a vitória daquele homem, não tanto porque ele lhe ia proporcionar a travessia do rio, mas porque o outro tinha vencido aquele obstáculo. Sentia que aquela vitória também lhe pertencia um pouco, pois era ele quem segurava a corda que dava confiança ao outro para lutar contra a corrente e continuar a travessia”.
O homem chegou à outra margem, saiu da água e caminhou para uma árvore que estava mesmo em frente do ponto em que ele estava na sua margem.
Deixou-o atar a corda à árvore e depois com toda a força de que era capaz, esticou-a e atou-a também à árvore que estava perto de si.
Olhou e não pode deixar de sentir um calafrio.
Aquela corda estreita e pequena balouçava sobre aquele rio e toda aquela água que passava em torrente.
Pensou que era uma segurança muito pouco visível e de pouca confiança, para uma travessia tão arriscada.
Agarrou a corda com toda a sua força e caminhou para o rio.
Assim que entrou no rio e a água lhe chegou à cintura, estacou. Não conseguia andar nem para trás, nem para a frente.
O seu desejo, o seu coração impeliam-no a atravessar e a não ter medo, mas a sua mente e o seu corpo diziam-lhe: “Estás doido, não vês que essa corda não é segurança nenhuma, que se vai partir a meio da travessia e tu vais morrer afogado”.
Estava estático, nada o fazia andar.
Da outra margem chegava a voz do homem que lhe dizia:
«Atravessa, não tenhas medo. A corda é segura, é inquebrável, nunca se partirá».
Mas mesmo assim, se o seu coração queria avançar, as suas pernas não o acompanhavam.
Ouviu então umas vozes atrás de si, que lhe diziam:
«Não tenhas medo, nós estamos aqui. Se alguma coisa não estiver a correr bem, nós vamos buscar-te e salvamos-te das águas turbulentas. Confia na corda, agarra-te a ela. Esta é a corda que te pode dar passagem para a outra margem, para poderes continuar a caminhada da tua vida».
Virando o pescoço, olhou para trás e viu na margem os seus antigos companheiros, acenando-lhe alegremente e pelos seus sorrisos percebeu que não estavam zangados nem ressentidos com ele.
Sentiu-se reconfortado, sentiu-se confiante e agarrando-se ainda mais à corda, pensou:
“És a minha esperança e eu acredito que não te partirás, porque és muito mais do que uma corda. És Aquele que tudo pode, Aquele em quem quero confiar, Aquele que me
dá o caminho e com quem quero caminhar”.
Confortado com este pensamento que lhe invadiu o coração e com as vozes dos outros que o exortavam a continuar, deixou-se abraçar pela água e iniciou a travessia.
A meio do rio, apenas com a cabeça de fora de água, agarrado à corda, embora o medo fosse muito, embora a corrente fosse muito forte, embora a angústia o assaltasse, o seu pensamento era um só:
“Obrigado meu Deus, porque és a corda da minha vida. Agarrado a Ti nunca perecerei”.
De repente sentiu que os seus pés tocavam em terra firme e olhando pela primeira vez em seu redor, viu que tinha atravessado o rio e que o outro o abraçava com um sorriso, feliz porque ele tinha vencido aquele obstáculo.
Caiu de joelhos e ali mesmo levantou os braços ao Céu, dizendo com alegria:
«Obrigado meu Deus, porque me trouxeste até esta margem. Obrigado meu Deus, porque esqueceste o meu orgulho e a minha vaidade. Obrigado meu Deus, pelos irmãos que colocaste no meu caminho. Sem Ti, Senhor e sem eles, reconheço agora, nunca seria capaz».
Esperou que todos atravessassem o rio e pediu-lhes então que o escutassem:
«Deus deu-me hoje uma grande lição. Sozinhos, não somos nada. Sem Ele nunca poderemos ultrapassar os obstáculos que surgem nas nossas vidas. Mas ensinou-me também, que é no amor pelos outros e no amor dos outros, que podemos caminhar e arranjar forças para lutar».
«Proponho-vos então que caminhemos juntos, pois hão-de aparecer muitos outros rios, muitos outros obstáculos e então se mutuamente nos ajudarmos, as fraquezas de um, serão as fraquezas de todos e as vitórias de um, serão as vitórias de todos».
«Lembremo-nos no entanto da corda. Se não confiarmos nAquele que se nos dá, nAquele que tudo vence, nAquele que por amor nos sustenta e carrega, nem todos juntos conseguiremos vencer».
«Entreguemo-nos assim nas Suas mãos e confiantes partamos para a aventura da vida, ao encontro dAquele a quem agora nos consagramos».
De joelhos no chão, ergueram uma prece aos Céus e juntos oraram:
«Aqui estamos Senhor, queremos caminhar juntos, conduzidos por Ti, até à eternidade. Leva-nos Senhor, conduz-nos Senhor, segundo a Tua vontade».
De pé, unidos num abraço, partiram pelo caminho, sabendo em seus corações, que apesar dos obstáculos que surgissem, se continuassem unidos e entregues ao amor dAquele que ama, fazendo a Sua vontade, chegariam à vitória sobre o mundo e sobre a morte, para contemplarem eternamente a glória do Deus Único e Eterno.
Monte Real , 26 de Junho de 2006
Joaquim Mexia Alves
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